Vira e mexe, o presidente Lula se gaba dos valentes líderes sindicais de outrora, hoje a serviço de seu governo. Muitos deles, em postos chave, não conseguiram dizer a que vieram. Mas quando estava na Previdência atrapalhando a vida dos velhinhos na fila dos benefícios, o atual ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, foi defendido pelo presidente, que lhe louvou antigas virtudes de sindicalista convicto. Berzoini mudou de ministério e ficou no time. Agora, tem a missão de comandar uma das mais importantes reformas prometidas e que está na fila dos debates – exatamente a reforma sindical.
É uma reforma que está demorando um pouco, mas virá. Anuncia-se em Brasília que, no mais tardar, até o final do ano, o governo encaminhará ao Congresso Nacional uma proposta. Virá calcada no esboço de um projeto que seria o resultado de ampla discussão, iniciada já em 2003, entre alguns representantes de sindicatos de empresários e de empregados, de centrais e de confederações.
Não se tem conhecimento de tudo o que conversaram, mas a expectativa existente é que a reforma sindical seja a obra-prima do governo Lula – ele próprio um ex-sindicalista de carreira.
Apesar dessa proximidade anunciada, é intrigante a calmaria que, nos últimos tempos, se abateu sobre o meio sindical, hoje formado por cerca de dezoito mil entidades (em 1988 eram apenas cerca de seis mil!), maioria filiada a uma das dez centrais sindicais em funcionamento. O tema, que deveria mexer com os interesses de todos os trabalhadores e empregadores, está sendo tratado como se constituísse algum segredo, importante apenas para poucos. E nem mesmo a Portaria 160/04 do Ministério do Trabalho, que acaba com a cobrança compulsória de contribuições não expressamente autorizadas pelos trabalhadores (abordada na edição de sábado último neste espaço), está a merecer maior debate. Os sindicalistas interessados preferem a via da conversa ao pé da orelha com parlamentares "comprometidos" com as causas pretensamente atribuídas aos contribuintes de cabresto, delícia da pelegada.
O grande nó górdio da questão sindical é desmanchar o modelo brasileiro que vem dos tempos do fascismo e determina o enquadramento sindical por categorias, enquanto as centrais e a maior parte dos sindicatos são movidos, na prática, pelo combustível da ideologia. Graças a essa camisa-de-força, tem trabalhador cujas preferências políticas estão à direita, mas é forçado a contribuir (dentro do modelo atual as contribuições são compulsórias) com as causas que combate, à esquerda. Ou vice-versa. O reflexo disso são as nove centrais sindicais que nasceram na esteira da primeira – a CUT que, braço forte do Partido dos Trabalhadores, ironicamente ainda se intitula a única…
Como a unicidade um dia imaginada não colou, agora os sindicalistas se empenham em limitar a proliferação de siglas. A proposta que o governo está concluindo quer reduzir as centrais a apenas três. Não se sabe por quais motivos. Talvez porque alguns iluminados entendam que não há chance de sobrevida a todos, talvez porque não suportam a idéia da pluralidade sem limites. Ora, se há que existir sindicalismo livre, o limite em três, em cinco, em dez ou mais, ou numa única é a mesma coisa e tem nome: intromissão indevida. A mesma intromissão que hoje determina a que sindicato, a partir da atividade que exerce, o cidadão deve pertencer.
O ideal seria o governo – como empregador que também é – retirar-se de cena de uma vez e deixar que os trabalhadores e empregadores se organizem como bem entendam, sem essa preocupação de tutelar direitos, garantir sobrevivência (e arrecadação) para estruturas – o governo incluído! – freqüentemente distantes e alheias aos interesses específicos dos trabalhadores. A regulamentação da greve nos serviços públicos essenciais, por exemplo, pendente desde 1988, é muito mais importante que o limite pretendido sobre o número de sindicatos ou de centrais sindicais. Convém que uma obra-prima seja completa. E perfeita.