Decisão unânime da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece a impossibilidade de ampliação das vagas dos cursos jurídicos sem prévia manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os ministros entenderam que, apesar da necessária supervisão do Estado na educação prestada pela sociedade civil para a garantia da qualidade de ensino, não lhe é lícito fixar normas gerais da educação nacional a seu bel-prazer, seja desrespeitando os direitos dos particulares que se dedicam ao ensino, seja em desrespeito à qualidade da educação exigida pela própria Constituição Federal.
Com esse entendimento a seção manteve suspensa a Portaria 2.402, de 9 de novembro de 2001, do ministro da Educação, que autorizou as instituições de ensino superior credenciadas como faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores a aumentar em 50% os cursos de Direito sem prévia manifestação do Conselho Federal da OAB.
A decisão se deu em um mandado de segurança que a OAB impetrou no STJ sustentando que a autorização ministerial viola o artigo 28 do Decreto 3.860/01, o qual condiciona a criação, o reconhecimento ou o credenciamento de cursos jurídicos à manifestação do Conselho Federal da Ordem.
Nas informações prestadas, o Ministério da Educação afirma que não há na Constituição ou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) comando algum indicando ou determinando a prévia manifestação da OAB quanto aos atos de autorização e reconhecimento de cursos e credenciamento e recredenciamento de instituições de ensino, além do que o conselho não detém poder para essas atividades, que são privativas do Ministério da Educação e não dependem de manifestação da OAB para a sua concretização.
Em março deste ano, o ministro Franciulli Netto, relator do processo no STJ, concedeu liminar ao Conselho Federal da OAB sustando os efeitos da portaria, no que se refere ao número de vagas para os cursos de graduação de Direito, a partir de 7 de março. Ressalvou, por ora, o direito dos que foram matriculados sob o amparo da portaria.
O Ministério da Educação tentou derrubar a liminar por meio de um agravo regimental (recurso interposto contra decisão somente do relator, para que a questão seja analisada pelo colegiado). A argumentação é de que a OAB tem a prerrogativa apenas para opinar nos processos de autorização e reconhecimento de cursos; a decisão caberia apenas ao Poder Público. A Primeira Seção, no entanto, manteve à unanimidade a liminar concedida.
Ao julgar o mérito do pedido, o ministro Franciulli Netto considerou que o estatuto da OAB e o Decreto 3.860, que regulamentou a LDB, prevêem expressamente que compete ao Conselho Federal da OAB se manifestar nos pedidos de criação e reconhecimento de qualquer curso jurídico em estabelecimentos de ensino superior. A comparação entre o número de vagas e a infra-estrutura oferecida pela instituição é fundamental para a verificação da qualidade de qualquer curso. Essa aferição da capacidade para o exercício profissional da advocacia é competência da OAB, o que por si só justifica a razão de ser ouvida em processos do gênero.
Franciulli Netto destacou em seu voto o fraco desempenho dos bacharéis em Direito nos exames da Ordem que, ressalta, trata-se de aferição do mínimo de conhecimento indispensável para o exercício da advocacia. Profissional, a seu ver, indispensável, junto com os demais da área jurídica, para a proteção dos direitos individuais e sociais do povo brasileiro. “A importância da figura do advogado e dos demais profissionais da área jurídica na sociedade contemporânea não pode servir de mote para se prestigiar a quantidade em lugar da qualidade”, acredita.
Diante do fato que quase 72% dos candidatos foram reprovados no último exame em São Paulo, o ministro sustenta que jamais se poderia pensar em implementar sistema de políticas públicas em que se privilegiasse o aumento do número de vagas nas faculdades de Direito, mas que reforçasse o controle sobre as instituições de ensino. “Sobretudo as privadas, cujo interesse econômico no aumento do número de vagas supera, em muito, o interesse meramente educativo”, assevera.
“Deferir um aumento de, por exemplo, 350 alunos por semestre, na situação em que se encontra o ensino jurídico no País, é o primeiro passo para a eliminação do vestibular, com a instituição do curso supletivo de Direito, antigo Madureza, ou por correspondência, ou ainda para permitir o ingresso aos analfabetos, já que o ensino superior de nada lhes serviria para aumentar o conhecimento”, acredita Franciulli. Para ele, expedientes dessa espécie poderiam ser usados desde que se quisesse, apenas, “apresentar aos olhos do mundo portadores de diploma universitário, o que não se acredita que passe pela mente da autoridade coatora” (o ministro da Educação).
Processo: MS 8.219