A garantia constitucional da presunção de inocência, pelo que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença, universalmente contemplada em todas as constituições democráticas do mundo, foi um dos grandes avanços conquistados pela humanidade após a Segunda Guerra Mundial.
Diz-se que uma sentença transita em julgado, quando não há mais possibilidades de ser modificada pelos tribunais. Com o trânsito em julgado de uma sentença que impõe pena privativa de liberdade, restrição de direitos ou multa, quem era antes acusado da prática de um delito passa a ser considerado criminoso, pesando sobre a pessoa do condenado a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime cometido, a perda em favor da União do produto e dos instrumentos utilizados na prática delituosa, bem como a perda do cargo, da função pública ou do mandato eletivo, tornando-o incapaz do exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, além da suspensão dos seus direitos políticos, enquanto a pena não for efetivamente cumprida.
Nesse prisma, pode-se assegurar que o preso brasileiro que ainda não tem contra si uma sentença penal condenatória transitada em julgado pode e deve exercer o direito de votar e de ser votado, em exaltação à sua cidadania e aos preceitos constitucionais que garantem o exercício político, em igualdade de condições com os que estão em liberdade. Em determinado momento da vida brasileira, logo após a promulgação da Constituição de 1988, o direito do preso votar chegou a ser implementado para alguns detentos, mas havia necessidade de conduzi-lo à seção eleitoral mediante escolta policial, algemado, comprometendo a sua dignidade humana e gerando uma série de preconceitos sociais, que por certo existiam. Pernambuco foi um dos primeiros estados da federação a proporcionar o voto do preso dentro do próprio ambiente prisional, durante as eleições majoritárias de 2002, graças à ação destemida do Tribunal Regional Eleitoral, na época presidido pelo desembargador Antonio Camarotti, que juntamente com o então desembargador eleitoral Mauro Alencar, tudo fizeram para concretizar a instalação de seções eleitorais dentro dos próprios presídios, o que efetivamente aconteceu. Foi assim, pois, que presos custodiados nos presídios prof. Aníbal Bruno, Colônia Penal Feminina do Recife, Palmares, Caruaru, Pesqueira e Arcoverde, pela primeira vez na história brasileira puderam exercer livremente o direito do voto, sem qualquer anormalidade, consagrando definitivamente o exercício da cidadania aos encarcerados.
Para tanto, servidores dos cartórios eleitorais foram aos presídios, ora realizando o alistamento eleitoral dos detentos, ora concretizando a transferência do domicílio eleitoral de todos quantos necessitavam. No dia da eleição, com mesas receptoras de votos confiadas a agentes penitenciários, o processo eleitoral deu-se em absoluta normalidade e sem atropelos de qualquer natureza. Além da previsão de natureza constitucional, a decisão do TRE que autorizou a abertura de seções eleitorais nos presídios, foi amparada nas disposições contidas no art. 136 do Código Eleitoral, que estabelece que deverão ser instaladas seções eleitorais nos estabelecimentos de internação coletiva onde haja pelo menos cinqüenta eleitores. Depois da experiência pernambucana, o que se sabe é que outros estados aderiram ao nosso modelo, como é o exemplo do Ceará, Amazonas, Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Sergipe e Rio Grande do Sul.
Com a finalidade de implementar o voto do preso provisório em todo Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou, recentemente, a Resolução n.º 22.712, definindo que os juízes eleitorais, sob a coordenação dos tribunais regionais eleitorais, poderão criar seções eleitorais especiais em penitenciárias, a fim de que os presos provisórios tenham assegurado o direito do voto, permitindo a presença de força policial e de agentes penitenciários a menos de 100 metros do local da votação, de forma excepcional.
Como Pernambuco deu e tem dado exemplos significantes ao resto do País, uma vez o grande precursor do acesso do preso ao voto, o que se espera, entretanto, é que todos os presídios do Estado tenham a sua seção eleitoral criada e definitivamente instalada, bem como que o processo de alistamento eleitoral e de transferência de domicílio seja efetivamente revigorada, pois só assim estaremos cumprindo a Constituição Federal, até porque, por meio do voto, os presos provisórios brasileiros poderão escolher seus representantes que afirmem e reafirmem posturas que viabilizem condições dignas de encarceramento, que se comprometam com a inclusão do egresso no mercado de trabalho e com a viabilização de medidas alternativas à privação da liberdade, tirando o preso do asilo social que vai muito além da privação à liberdade.
Adeildo Nunes é juiz de Execução Penal em Pernambuco, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, mestre em Direito e professor da graduação e da pós-graduação em Direito da Faculdade Maurício de Nassau.