O último getulista

Leonel Brizola morreu aos 82 anos de idade. Pode ser considerado o último getulista e, ao que tudo indica, também o último trabalhista. Foi politicamente filho de Getúlio Vargas, o ditador e depois presidente eleito que se tornou a figura política brasileira mais marcante do século XX. Homem de indiscutível visão política, Getúlio criou o Partido Trabalhista Brasileiro e inspirou também a criação do Partido Social Democrático. Outras agremiações existiam ou surgiram, à época, no Brasil. De expressão, além daqueles dois, só a União Democrática Nacional. É difícil definir cada um desses partidos, pois já então existia o fisiologismo que hoje domina as nossas agremiações políticas.

Mas é certo que o PTB foi criado para representar os reclamos da classe operária urbana, crescente no processo de industrialização do País. Já o PSD surgiu com raízes rurais e conservadoras. E captou, também, conservadores dos centros urbanos. Com esses dois partidos, Getúlio imaginava criar uma balança que daria estabilidade à política brasileira.

A UDN foi mais um partido de elite, anticomunista e com vezos de direitismo, embora em seu ideário e nas principais figuras da agremiação se encontrassem fortes convicções democráticas. Oposição a Getúlio até a sua morte, episódio trágico no qual desempenhou papel preponderante com Carlos Lacerda, a UDN tinha fortes raízes nas forças armadas, em especial na Aeronáutica, com a figura ímpar de militar e político do brigadeiro Eduardo Gomes.

Brizola, pelo menos nas primeiras décadas de sua longa carreira política, foi um trabalhista inspirado no trabalhismo inglês. Lutou por uma legislação protetora dos trabalhadores e enveredou pelo socialismo, sem nunca ter abraçado o marxismo. Foi engraxate e exerceu em sua juventude outras funções humildes, mas logrou cursar Engenharia Civil, profissão que jamais exerceu. Foi sempre político. Deputado estadual, federal, prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (por duas vezes). Quando do golpe militar de 1964 foi a mais veemente voz de insurreição. Protestou muito contra a tomada do poder pelos militares, mas nada conseguiu fazer para garantir no poder o seu cunhado João Goulart.

Sua carreira política, longa e cheia de altos e baixos, teve o mérito de liderar o “trabalhismo” até que, como doutrina política, este veio a se confundir com outros ideários. Começaram a surgir novos partidos trabalhistas no nome, mas não nas idéias. E pode-se detectar no PTB de Brizola, e depois no seu PDT, desvios ideológicos que, se não foram tão graves quanto os que sofreram os partidos que com ele buscavam disputar o eleitorado trabalhador, ainda assim suficientes para descaracterizá-lo.

De qualquer forma, tem-se que reconhecer que, com a morte de Leonel Brizola, o Brasil perde o último dos getulistas, o ainda mais autêntico trabalhista e um político que, mesmo nas horas mais difíceis, não desceu de sua tribuna para entregar-se aos poderosos do dia. Negociou, sim. Mas nunca capitulou de suas idéias em favor das classes trabalhadoras. Nem de seu socialismo um tanto confuso e teórico, mas que sempre foi mais autêntico que os muitos socialismos que hoje recheiam vários partidos brasileiros que bajulam as massas operárias.

O Brasil perdeu com a morte de Brizola.

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