O TSE e a infidelidade partidária

O Tribunal Superior Eleitoral desta semana, em resposta a consulta de um deputado federal da oposição, tornou a afirmar, agora com base no artigo 175, § 2.º, IV do Código Eleitoral, que o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito.

De estranhar fundamento, posto que, segundo a mens legis da norma, o eleitor que votar apenas na legenda partidária, terá seu voto anulado. Vale dizer, o voto partidário para ser válido como tal, deverá declinar o nome do candidato da legenda escolhida.

O seu conteúdo, de clareza solar, dispensa recorrências doutrinárias. Daí, permitirem-se algumas ilações. O voto dado apenas em favor do partido, desacompanhado da indicação do nome do candidato, será considerado nulo. Mas, a contrário senso, se for dado somente ao candidato, sem nominar a legenda ao qual pertencer sua candidatura, será anulado.

A primeira conclusão é desconstrutiva da tese do Excelso Colegiado. O partido político ao teor da norma em comento, não tem direito potestativo sobre as vagas conquistadas pelo candidato, eleito pelo voto proporcional, e depois diplomado pela Justiça Eleitoral.

Os votos eventualmente dados em favor da legenda e do candidato, vão possibilitar maior ou menor número de cadeiras legislativas, estabelecidas pelo coeficiente eleitoral. Tanto assim, que os votos recebidos em cada pleito pelo candidato, não corresponde, em número, aos votos eventualmente dados, concomitante em favor do partido, pelo qual disputa uma das vagas nos respectivos assentos parlamentares.

Por isso os partidos dependem dos votos conferidos aos seus candidatos, cuja agremiação corre o risco de não se consolidar, caso ela não eleja os candidatos suficientes para atingir o coeficiente eleitoral definido para aquele pleito.

A grande questão, é que, tanto os legisladores de outrora, quanto os presentes, sempre estiveram atentos a rejeitar qualquer proposta de lei, tendente a reprimir a infidelidade partidária. A terceira e última oportunidade de mudança nesse paradigma, decorreu, quando, da aprovação da Lei Orgânica dos Partidos Políticos – Lei n.º 9.096 de 19/9/1995.

A única hipótese de sanção ao parlamentar, decorrente da troca de partido, é a prevista no artigo 26 do Estatuto Partidário: ?Perde automaticamente a função ou cargo que exerça na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tiver sido eleito?.

Caso pretendessem moralizar o instituto da fidelidade, bastaria que a redação desse artigo fosse acrescido, entre os verbetes – função e cargo, a expressão – mandato. Pronto, bastaria isso para impor limites aos mandatários trânsfugas, que fazem do partido, legenda de aluguel e cartório de registro de candidaturas.

Mesmo em conta o inconteste saber jurídico dos Ministros integrantes do TSE, a questão da perda de mandato por infidelidade partidária, continua sendo defenestrada pelo mesmo diapasão – de lege ferenda -, frente o entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Assim foi, em voto decisivo do Ministro Moreira Alves, no MS/DF n.º 20.927/DF, DJ1, de 15/4/1994, p.8061, assim decidiu quanto a questão:

?em que pese o principio da representação proporcional e a representação parlamentar federal por intermédio dos partidos políticos, não perde a condição de suplente o candidato diplomado pela justiça eleitoral que, posteriormente, se desvincula do partido ou aliança partidária pelo qual se elegeu. A inaplicabilidade do principio da fidelidade partidária aos parlamentares empossados se estende no silencio da Constituição e da lei, aos respectivos suplentes?.

De lá para cá, a Norma Ápice continua silente, a esse respeito. O artigo 55 incisos I à VI da CF/88, são taxativos, terminativos – numerus clausus -, em descrever os casos, praticamente concretos, de perda de mandato.

Em nenhum deles há qualquer hipótese por mais remota, que permita qualquer inferência. O legislador constitucional, a esse respeito, investiu-se de indisfarçável espírito corporativo a toda prova…

Anteriormente, a questão da infidelidade partidária chegara ao Supremo Tribunal Federal, e no mesmo contexto jurídico institucional, fora então decidida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no MS/DF n.º 20.916, DJ1, de 26/2/1993.

Em ambos os arestos, a Corte Constitucional cingiu-se aos pressupostos de lege ferenda, posto que, nem o Texto Magno, tampouco a legislação infraconstitucional contemplam hipóteses de perda de mandato por infidelidade partidária.

Recentemente, em março deste ano, o juiz da 2.º Vara Cível da Comarca de Bragança Paulista, concedeu liminar em favor de vereadores que respondiam a processo de cassação de mandato, por infidelidade partidária. Os fundamentos da liminar se respaldam na ausência de amparo legal, tanto em nível da Constituição Federal, quanto da legislação ordinária.

Embora os enunciados do TSE., sejam de caráter meramente consultivos, haja vista o artigo 55 da CF/88 constituir delimitador – stricto sensu – das condutas atípicas previstas para perda de mandato parlamentar. Daí, à contrário sensu, do enunciado pelo artigo 175, § 2.º, IV do Código Eleitoral, a mens legis parte da premissa que o eleitor escolhe e vota no candidato, e não o partido.

O voto é válido, se dado somente ao candidato. E nulo, se destinado apenas ao partido.

Diante dessas constatações, e a míngua de leis demandáveis ao caso em apreço, resta o mesmo consolo dado por Guilherme II, o derradeiro Kaiser da Alemanha: se os homens soubessem como são feitas as leis, os governos e as salsichas…

Dermeval Ribeiro Vianna é advogado em Assis Chateaubriand.

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