O Tribunal do Júri e o exercício funcional do jurado

O artigo 437 do Código de Processo Penal dispõe que ?o exercício efetivo da função de Jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo, bem como preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas?. Do quanto se depreende do comando normativo em tela, o legislador concedeu uma série de privilégios ao cidadão-Jurado, desde que se tenha preenchido uma condição: o exercício efetivo de sua função. Destarte, para que possa desfrutar do beneplácito contido no artigo 437, o cidadão deve ter desempenhado o exercício efetivo da função de Jurado. Tal constatação implica, automaticamente, uma pergunta: o que vem a ser, afinal de contas, o exercício efetivo da função de Jurado?

Compulsando-se a doutrina atinente ao tema, duas correntes se altercam na dogmática processual.

De um lado, parte dos juristas faz uma interpretação restritiva do texto legal. De acordo com essa parcela da doutrina, para que o cidadão possa desfrutar das regalias funcionais de Jurado, seria necessário que ele tivesse sido sorteado, ao menos uma vez, entre os sete cidadãos que compõem o Conselho de Sentença. Somente após ter participado efetivamente de um veredicto, é que o Jurado faria jus aos benefícios legais contidos no artigo 437 do Diploma Penal Adjetivo. Não bastaria, pois, que o nome do indivíduo estivesse figurando na lista geral de Jurados, nem tampouco que ele tenha sido sorteado entre os vinte e um Jurados que compõem a sessão periódica. Nesta linha de raciocínio, Tourinho Filho entende que ?a função de jurado é exercida efetivamente quando ele integra o Conselho de Sentença, participando do julgamento?. De igual modo, Frederico Marques assevera que ?à pessoa que esteja alistada como jurado, mas que em nenhuma ocasião participou do Conselho de Sentença, não se aplica o que preceitua o citado art. 437 do Código de Processo Penal?. Nesta mesma senda, Mossin afirma que a expressão exercício efetivo da função de Jurado é ?implicativa da participação do Jurado no conselho de sentença?.

De outro lado, parcela da doutrina faz uma interpretação ampliativa do texto legal. De acordo com essa parte dos juristas, o critério para que o cidadão possa desfrutar das regalias funcionais de Jurado, seria um parâmetro intermediário: nem um extremo de se exigir que o Jurado seja sorteado entre os sete membros do Conselho de Sentença; nem, tampouco, o outro extremo de se admitir que ele, tão somente, faça parte da lista geral. Segundo essa corrente, as prerrogativas funcionais do Jurado seriam autorizadas desde que o indivíduo tivesse sido sorteado entre os vinte e um Jurados que compõem a lista da sessão periódica. Assim, exercício efetivo não seria o extremo de compor o Conselho de Sentença, nem tampouco o extremo de simplesmente fazer parte da lista geral, mas sim o meio termo de ter sido sorteado entre os vinte e um Jurados que constituem a sessão periódica. Neste prumo, Magalhães Noronha salienta que ?basta haver sido sorteado para a reunião do Júri, embora não tenha servido na sessão, ou por não haver sido sorteado ou por ter sido recusado?, para que o cidadão faça jus aos benefícios do artigo 437 do Código de Processo Penal. Outrossim, Mirabete pondera que ?as regalias abrangem aquele que, convocado para a sessão, comparece, embora não sirva no julgamento por não ter sido sorteado ou por ter sido recusado por uma das partes?. Em síntese, esta corrente ?entendeu como no exercício efetivo da função de jurado aquele que, convocado, comparecesse à sessão periódica, embora não tivesse feito parte do conselho de sentença?, conforme estabelece Souto.

Cotejando-se ambas as correntes, é forçoso admitir que, malgrado respeitável entendimento em sentido contrário, razão assiste à segunda opinião.

Entre inúmeras razões que poderiam ser ventiladas, três delas são imprescindíveis para o entendimento de o que vem a ser o exercício efetivo da função de Jurado. Em primeiro lugar, é imperioso destacar que, de acordo com o artigo 433 do Código de Processo Penal, o Tribunal do Júri é composto, não somente pelos sete Jurados do Conselho de Sentença, mas também por todos os vinte e um Jurados que foram sorteados da lista geral para a sessão periódica, além do Juiz Presidente. Em segundo lugar, o exercício efetivo não pode ser considerado apenas por um simples critério aleatório, mediante um sorteio, mas também pelo comparecimento dos Jurados sorteados ao Plenário do Júri, para integrar o quorum mínimo de instalação dos trabalhos. Em terceiro lugar, por derradeiro, cumpre obtemperar que não seria justo imaginar que o Jurado deixasse de ser contemplado pelo beneplácito do artigo 437 do Código de Processo Penal pelo fato de que, eventualmente, pudesse ser recusado (dentro da cota de três recusas imotivadas) por uma das partes.

Portanto, é forçoso aquiescer que a expressão exercício efetivo da função de Jurado não pode ser restringida unicamente ao funcionamento no Conselho de Sentença, mas também alcançar aqueles Jurados que, uma vez sorteados num primeiro momento, comparecem ao chamamento da Justiça, integrando o quorum de instalação dos trabalhos, mas, que, por um motivo ou por outro, seja por não terem sido sorteados, seja por terem sido recusados pelas partes, deixaram de proferir um veredictum.

Adriano Sérgio Nunes Bretas é advogado criminal, especialista em Direito Penal e Criminologia, professor de Processo Penal e membro do Grupo Brasileiro da Association Internationale de Droit Pénal.

bretasadvocacia@yahoo.com.br

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