Um péssimo hábito tomou conta dos políticos em Brasília. Com a mesma facilidade que assinam documentos, retiram as assinaturas depois de reuniões e acertos realizados, nem sempre à luz do dia. Foi assim com a CPI dos bingos, quando alguns senadores governistas se “arrependeram” de investigar aquele que tem o perfil de um dos mais complexos escândalos envolvendo gente alta do governo; está sendo assim agora com o pedido de urgência para tocar a reforma política. Isso para nos atermos apenas às últimas duas manobras.

Conta a crônica brasiliense que a reforma política deixou de ser urgente para o governo, que a queria imediatamente discutida, e não será mais votada no curso deste ano. Para jogar o tema ao fundo da gaveta, bastou que o líder do PT na Câmara, Arlindo Chinaglia, retirasse sua assinatura do requerimento que garantia a tramitação acelerada da proposta. A decisão de Chinaglia foi anunciada durante almoço na casa do presidente do PL, em que eram comensais outros líderes (PL, PTB e PP), que anunciaram contar com o apoio também do PDT e do PSL. Curiosamente, não se tem notícia da posição do PMDB sobre o assunto.

Segundo o que se anuncia do encontro, o que pesou na decisão de sepultar outra vez a reforma política foi um tema pertinente à reforma que é por demais candente para o momento – o financiamento público de campanhas políticas. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, argumentou que “num país onde falta dinheiro para programas essenciais como o Fome Zero, não podemos aceitar que dinheiro público financie campanha de candidatos a deputado, senador ou governador”. Seria de se acrescentar a marota observação de que aos partidos é melhor ficar com o dinheiro dos jogos de azar do que dividir os minguados recursos destinados aos que receberam do presidente Lula a tarefa de comer pelo menos três vezes ao dia. O assunto, segundo o presidente do PL, é sério demais e deveria ser resolvido num plebiscito, em que todos os brasileiros tivessem oportunidade de opinar.

Tem certa razão Valdemar. Ouvir o que pensam os brasileiros seria uma boa medida, principalmente quando se constata que nossos representantes em Brasília fazem quase tudo contra a vontade de seus eleitores. Mas também é necessário que se diga que, na verdade, este argumento apenas esconde um outro, mais importante para o momento delicado da política nacional: em tempos de denúncias de corrupção eleitoral, como este que estamos vivendo, é prudente deixar matérias perecíveis na geladeira. Melhor, no congelador. A reforma política deixou de ser interessante para o Planalto porque o tema do financiamento público de campanhas, uma espécie de solução definitiva contra nossa endêmica corrupção, conforme foi colocado desde a explosão do Waldogate, soaria como uma espécie de confissão. Uma confissão que não interessa a quase nenhum dos partidos acima citados e, quiçá, de outros também.

Assim, outra reforma anunciada pelo presidente Lula com um retumbante ufanismo, que já não existe, fica para as calendas gregas. A da Previdência, que deveria ser retocada em regime de convocação extraordinária, resta inconclusa; a tributária foi um arremedo em que, além do “fatiamento” sofrido, a mudança principal pertence não ao parlamento, mas a uma medida provisória do Executivo para aumento da carga tributária; a reforma trabalhista e sindical também anda esquecida e, pelo que se ouve dizer, ficará igualmente para depois das eleições, para não atrapalhar os planos de um PT já atropelado. Resta, para não trair a memória, o novo pacto social, prometido no bojo de outras promessas que desencadearam um turbilhão de esperanças, todas ainda em compasso de espera. Esperamos, inclusive, um rumo.

Lamentável, mas esse tira-e-põe assinatura no parlamento em nada contribui para calibrar a bússola do governo desnorteado e dependente de filigranas dos regimentos internos da Câmara e do Senado. Em vez do principal (desenvolvimento, empregos, realizações e coisas do gênero), discute-se o acessório. O PT envelheceu cedo demais.

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