Convencido de que não é alquimista, o presidente Lula vive momento político transcendente, tendo que conciliar austeridade fiscal e crescimento econômico, reaglutinar o PT, que, como partido, é hoje menos lulista do que quando tomou posse, e disciplinar ex-aliados que o pressionam, sem alentá-los com populismos. Isso dependerá de sua habilidade política e de sua percepção da economia global, terá que ser feito sem mudanças econômicas radicais e, possivelmente, numa conjuntura externa favorável à explosão dos preços do petróleo e aos imprevistos da crise externa, entre outros fatores. Analistas, investidores e mídia focalizam o governo cada vez com mais atenção, crescem as cobranças econômicas, com mais investimentos em infra-estrutura e gastos sociais, geração de empregos, etc., permitindo mais atração de capitais e confiança dos mercados.

É o que afirma, em síntese, a conceituada revista americana Newsweek sem diferir muito do que já dizia, no começo do século, o historiador inglês Arnold Toynbee, para quem o risco de se perder eleições por ter que seguir uma política de austeridade, em vez de atender às pressões de aliados políticos, não justifica tratar as finanças sem o rigor necessário. Para a revista, o presidente trabalha nessa tênue linha de fronteira – numa imagem nordestina bem a seu gosto, tendo que “assobiar e chupar cana ao mesmo tempo” -, mas tem chances de se sair bem, pois “a situação do País não é ruim, mesmo não sendo robusta o suficiente”. Mas, para a publicação, “há sinais de que seu governo começa a ceder”, tantas as pressões que o acossam, e que o momento é mais político que econômico, tese que o presidente parece incorporar a seu raciocínio.

Mantendo seu férreo apoio ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci, como mostrou em recente reunião com 26 prefeitos das capitais, dos quais 21 pediram redução de 50% no preço do óleo diesel, o presidente dedica grande parte do seu “expediente” a negociar adesões aos seus projetos políticos e de governo. Mas nada que abale seu propósito de se manter impermeável a qualquer pleito que transgrida as regras da austeridade econômica – “em finanças, o que me preocupa é quando a equipe é mole e atende a qualquer pedido”, disse aos prefeitos. Apesar da possibilidade de aumento dos juros americanos e dos preços do petróleo – semana passada, o barril atingiu o recorde de US$ 41,55 -, que poderá deixar o Brasil mais vulnerável, dificultando investimentos, crédito para empresas e pessoas físicas, etc., Lula parece não esmorecer em somar apoios.

Em recente discurso mais político que econômico, reiterou que sua meta é “promover novo ciclo histórico de crescimento”, o que ocorreria “no dia-a-dia” – e não “aos saltos” – e através da parceria entre os setores público e privado. Nesse aspecto, reconheceu não haver mais incompatibilidade entre controle econômico e desenvolvimento, ao defender a reforma tributária aprovada em 2003 e confessar que “ela não reduziu de imediato os impostos, e nem poderia fazê-lo, sob pena de grave irresponsabilidade” – ainda lhe falta fazer a fundiária, trabalhista e política. Sobre a carga tributária, destaque-se que a per capita cresceu 341,46% na última década e que, ao mesmo tempo em que pagou mais impostos em 2003, o brasileiro recebeu menos salário, segundo dados do IBGE.

Na medida em que menos impostos significam mais empregos, mais renda e mais consumo, junte-se o fato de a população ver hoje a questão do desemprego como nosso mais grave problema social, algo que angustia toda a sociedade e inviabiliza o crescimento. E que o governo parece ter consciência plena de que, numa conjuntura de crise externa – sobretudo se ela se agravar – o Brasil não poderá continuar vivendo da ilusão de que os superávits da balança comercial farão, sozinhos, a mágica do crescimento – afinal, muita coisa do qual depende o sucesso do seu governo está nas mãos do Congresso. Entre elas, a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que definirá os critérios para fazer o Orçamento do ano que vem, incluindo a meta de inflação e do superávit primário, em torno das quais já começa a haver divergência entre os aliados do governo.

O presidente também não ignora – pelo contrário, tem aguda percepção – de que a população mantém seu governo sob observação, que governar envolve desgastes sucessivos e que, em período pré-eleitoral, a tendência é adotar soluções médias para agradar a todos.

“Não se pode agradar a todos”, diz a Newsweek, lembrando a dificuldade que Lula enfrentará proximamente para atingir uma linha de equilíbrio de modo a preservar as condições mínimas para o crescimento, entre as quais a pacificação das correntes políticas. E, politicamente, o presidente parece estar aprendendo, enfim, a falar em taquigrafia até com seus maiores adversários, sem apelar à dialética dos seus tempos de São Bernardo do Campo.

Com isso, poderá chegar ao fim do mandato como um político sábio, dando razão ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que garante que “ele não fará milagres”.

Miguel Jorge, jornalista, é vice-presidente de Recursos Humanos e Assuntos Corporativos do Santander Banespa.

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