Em terras portuguesas, o presidente Fernando Henrique Cardoso deitou falação sobre o Brasil. Isso de falar do País que governa estando fora dele é, aliás, um antigo hábito do ilustre sociólogo. Disse a políticos e investidores estrangeiros que o Brasil continuará honrando compromissos e contratos, pois o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva não é nenhum ferrabrás. “Acho que o instinto básico dele nunca foi de ferrabrás. Não diria o mesmo do partido. Mas o dele nunca foi.”

Muita gente não entendeu a qualificação ou, melhor, a negativa de qualificação. Alguns correram logo ao dicionário. Depois, questionado sobre o significado do termo, o próprio FHC explicou aos jornalistas brasileiros: alguém que vai ter uma atitude radical, violenta, que vai tomar decisões mudando tudo de repente, castigando”. Lula não seria, assim, em seu entendimento, um radical imprevisível. Nem tomaria decisões violentas, promovendo rupturas. Quando muito, mudanças.

A definição de FHC não está muito consoante o que diz o dicionário. Ali, o verbete bebe sua origem no nome de um gigante sarraceno (Fier-à-bras) que aparece nas canções de gesta do século XII. Significaria hoje um sujeito fanfarrão, que blasona de valente sem o ser. Ou, ainda: alardeador, bazófio, bizarro, bufador, chibante, farfante, farofeiro, farofento, farrombeiro, farromeiro, gabola, garganta, jactancioso, marombado, pabola, pábulo, pimpão, prosa, rebolão, valentão, vaniloqüente, vaníloquo, etc…

Mas o presidente FHC confessou que seu medo é outro: o risco da volta do populismo: “Disso tenho medo ? disse. Se há risco no Brasil, é do regresso do populismo. Lula é um líder, é um democrata. Tem um partido, tem o Congresso como referência. Mas podem tentar fazer dele um líder carismático. Aí é ruim para ele e para o Brasil. Espero que tenha a força de espírito ? e ele tem ? para não se deixar levar por esse canto da sereia”. Para que não pairem dúvidas, populismo, segundo o mesmo dicionário, seria a política fundada no aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo.

O medo de FHC repete o medo de uma artista que, em plena campanha eleitoral, teve a coragem de dizê-lo e imediatamente passou a ser patrulhada pelos ativistas do PT. Espera-se que o presidente não tenha a mesma sorte. De qualquer forma, está falando a verdade quando traduz seu medo diante de tudo quanto vem acontecendo por aqui depois do segundo turno das eleições. A última imagem que resta é aquela da visita à Bahia de todos os santos. Lula continua agindo como pop star, já bastante distante daquela imagem pré-paz e amor de outras campanhas.

Se o presidente Fernando Henrique Cardoso tem direito a medos (inclusive de traduzir medos nossos), não deve a nosso aviso meter-se no papel de conselheiro de seu sucessor sem ser convidado. Não na condição de presidente. Isso é coisa, aliás, que poderia ter feito antes, para que o medo atual não parecesse uma coisa tardia. O povo tem o governo que merece. E Lula escolheu a terra dos brasileiros para passar a maior parte dos dias que antecedem a posse de seu reinado. Sairá apenas para ir a Washington, Buenos Aires e Santiago do Chile, para conversar com os presidentes dos três países amigos.

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