O Supremo Tribunal Federal e a aplicação do princípio da insignificância (Final)

Em outra oportunidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal anulou a condenação penal de dois militares flagrados consumindo cigarro com 2 decigramas de maconha.

Os ministros entenderam que o princípio da insignificância se aplica aos crimes de porte e uso de drogas em quantidade mínima e para uso próprio por parte de soldados das Forças Armadas.

O ministro Celso de Mello, o relator da matéria, citou precedentes do Tribunal nesse sentido. A decisão unânime confirma liminar concedida por Celso de Mello no início do mês e foi tomada no julgamento de Habeas Corpus (HC 94085) impetrado em favor de um dos condenados.

Por vontade dos próprios Ministros, a decisão foi estendida ao outro militar pego em flagrante, que também havia sido condenado pelo Superior Tribunal Militar. Fonte: STF.

Também a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da insignificância para extinguir, em definitivo, por votação unânime, procedimento penal contra o militar J.A.N., acusado de levar para o quartel e lá guardar um papelote contendo 2 decigramas de cocaína.

A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 93822. Ao aplicar o princípio da insignificância, a Turma descaracterizou a tipicidade material do delito, extinguindo o processo.ém no julgamento do Habeas Corpus (HC) 92961, aplicou-se o princípio da insignificância para absolver T.A.S. da condenação a um ano de prisão com sursis pelo prazo de prova de dois anos, que lhe foi imposta pela justiça militar pelo crime de consumo e tráfico de entorpecentes.

A pena lhe foi aplicada por ter sido flagrado, em unidade militar, fumando um cigarro de maconha com peso de 1,6 grama e portando outros três. O relator, Ministro Eros Grau, ressaltou o parecer da procuradoria-geral da República, pelo qual, “embora típica a conduta, é cabível o princípio da insignificância, vez que atendidos os seus requisitos objetivos: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada”.

A Turma entendeu que “a aplicação de sanções administrativas-disciplinares ao condenado é suficiente à reprovabilidade da conduta, como ocorreu”. T.A.S., primário, já licenciado das fileiras do Exército, confessou o crime e manifestou arrependimento.

Mas foi condenado por crime militar. Grau lembrou, também, de diversos precedentes em que o STF aplicou a militar o mesmo princípio da insignificância vigente para os civis, sustentando que não pode haver discriminação em desfavor do militar. Fonte: STF.

E é mesmo possível aplicar-se o princípio da insignificância quando se trata de porte de droga para consumo próprio. Como explica Luiz Flávio Gomes, “quando se trata de posse ínfima de droga, o correto não é fazer incidir qualquer uma dessas sanções alternativas, sim, o princípio da insignificância, que é causa de exclusão da tipicidade material do fato. (…) Mister se faz, para a consumação da infração, constatar a idoneidade ofensiva (periculosidade) do próprio objeto material da conduta.

Se a droga concretamente apreendida não reúne capacidade ofensiva nenhuma, em razão da sua quantidade absolutamente ínfima, não há que se falar em infração (pouco importando a sua natureza, penal ou “para-penal”).

Não existe, nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante. A conseqüência natural da aplicação do critério da insignificância (como critério de interpretação restritiva dos tipos penais – assim sustentava Welzel – ou mesmo como causa de exclusão da tipicidade material STF, HC 84.412, rel. Min. Celso de Mello) consiste na exclusão da responsabilidade penal dos fatos ofensivos de pouca importância ou de ínfima lesividade. São fatos materialmente atípicos (afasta-se a tipicidade material, pouco importando se se trata da insignificância da conduta ou do resultado)”(16).

Igualmente em crimes ambientais o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de aplicar o referido princípio. Assim, por unanimidade, um Deputado Federal foi absolvido da acusação de ocasionar danos ao meio ambiente.

A acusação foi formulada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em outubro de 2003, com base no artigo 40 da Lei 9.605/98. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Penal (AP) 439.

Da acusação constava que o parlamentar teria causado danos à Unidade de Conservação do Parque Estadual da Serra do Mar, em Sertãozinho do Leo, no município de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo.

Ele teria suprimido vegetação capoeira em estágio inicial e aterrado o local, a fim de construir uma rua, em área de 0,652 hectare no interior do parque. Todos os demais ministros acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio.

“Trata-se de prática cuja significação jurídica é de menor importância”, afirmou o ministro. Ele disse que o próprio perito do Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo que fez o levantamento “estimou abrangência mínima” para o dano. “O fato apurado não constitui tipicidade suficiente para ensejar condenação penal. Voto pela absolvição”, concluiu. Fonte: STF.

Até em crimes patrimoniais praticados com violência ou grave ameaça, como o roubo, encontramos decisões aplicando o aludido princípio. Neste sentido, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 92744) impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de M.C.J., acusado de tentar roubar, em um supermercado, mercadorias no valor de R$ 86,50.

Os ministros aplicaram ao caso o princípio da insignificância. O relator do habeas corpus, ministro Eros Grau, acolheu parecer do Ministério Público Federal, que opinou pela concessão do pedido.

Segundo o MPF, tem-se no caso a “mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o baixo grau de reprovabilidade social do comportamento [do acusado] e a ausência de lesão jurídica, posto que, além de pequeno valor, os objetos furtados foram restituídos”.

Também por unanimidade, os Ministros daTurma do Supremo Tribunal Federal confirmaram a liminar concedida pelo relator, Ministro Carlos Ayres Britto, no Habeas Corpus (HC) 92411.

Na ação, J.M.S., acusado de roubar seis peças de roupas usadas que somariam, segundo a polícia, R$ 95,29, pedia para que se aplicasse no seu caso o princípio da insignificância, com o conseqüente arquivamento da ação penal aberta para apurar o delito.

O ministro embasou seu voto nos mesmos fundamentos que apresentou quando deferiu o pedido liminar. O ministro ressaltou, ainda, que não houve, no caso, desfalque ao patrimônio da vítima. Fonte: STF.

Mesmo em crime de moeda falsa:

“HABEAS CORPUS. PENAL. MOEDA FALSA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA. A apreensão de nota falsa com valor de cinco reais, em meio a outras notas verdadeiras, nas circunstâncias fáticas da presente impetração, não cria lesão considerável ao bem jurídico tutelado, de maneira que a conduta do paciente é atípica. Habeas corpus deferido, para trancar a ação penal em que o paciente figura como réu.” (HC 83.526/CE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA).

Este princípio também é aplicado por juízes de outros países. Para ilustrar, vejamos esta decisão da Justiça Argentina:

“No toda lesión al bien jurídico propiedad configura la afectación típica requerida. En este sentido, debemos recordar que el patrimonio no es un elemento abstracto, sino un atributo de la personalidad, como tal no debe juzgarse en forma aislada, sino en relación con su titular. Lo que para uno es una afectación nimia e insignificante, para otro puede ser una afectación trascendente. Por ello el análisis de la afectación al bien jurídico no puede hacerse en forma abstracta o meramente formal. Desde el punto de vista de la teoría del delito, la afectación del bien jurídico cumple una función limitante de la tipicidad, no integrándola, de modo tal que una lesión insignificante, resultaría, por ende atípica al no revestir entidad suficiente para demandar la intervención del Estado. En este punto debemos necesariamente recordar el carácter de ultima ratio del derecho penal. El recordado Profesor Dr. Enrique García Vitor enseñaba que: el principio de insignificancia representa un criterio de índole interpretativa, restrictivo de la tipicidad de la conducta, partiendo de la consideración del bien jurídico -conceptualizado sobre la base de los principios de lesividad social y fragmentariedad-, y en la medida de su lesión o puesta en peligro concreto. No podemos descuidar aquí el aspecto político-criminal que representa la aplicación de una pena a una afectación insignificante del bien jurídico; Zaffaroni, Alagia y Slokar ponen precisamente énfasis en este punto al decir que se trata de “casos en los que la afectación es mínima y el poder punitivo revelaría una irracionalidad tan manifiesta como indignante.” (C. 28348 – “Gómez, Justo Ceferino s/ proces. y monto del emb.” CNCRIM Y CORREC DE LA CAPITAL FEDERAL – Sala VI 15/3/2006 – Voto do Dr. Bunge Campos).

Para concluir, é importante não confundir o princípio da insignificância com o princípio da irrelevância penal do fato: este, “está estreitamente coligado com o princípio da desnecessidade da pena”, como ensina Luiz Flávio Gomes.

Para ele, “os princípios da insignificância e da irrelevância penal do fato, a propósito, não ocupam a mesma posição topográfica dentro do Direito penal: o primeiro é causa de exclusão da tipicidade material do fato (ou porque não há resultado jurídico grave ou relevante ou porque não há imputação objetiva da conduta); o princípio da irrelevância penal do fato é causa excludente da punição concreta do fato, ou seja, de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto).

Um afeta a tipicidade penal (mais precisamente, a tipicidade material); o outro diz respeito à (desnecessidade de) punição concreta do fato. O princípio da insignificância tem incidência na teoria do delito (aliás, afasta a tipicidade material e, em conseqüência, o próprio crime).

O outro pertence à teoria da pena (tem pertinência no momento da aplicação concreta da pena). O primeiro tem como critério fundante o desvalor do resultado ou da conduta (ou seja: circunstâncias do próprio fato); o segundo exige sobretudo desvalor ínfimo da culpabilidade (da reprovação: primário, bons antecedentes etc.), assim como o concurso de uma série de requisitos post-factum que conduzem ao reconhecimento da desnecessidade da pena no caso concreto (pouco ou nenhum prejuízo, eventual prisão do autor, permanência na prisão por um fato sem grande relevância etc.).

Para que se reconheça esse último princípio (assim como a desnecessidade ou dispensa da pena), múltiplos fatores, portanto, devem concorrer: ínfimo desvalor da culpabilidade, ausência de antecedentes criminais, reparação dos danos ou devolução do objeto, reconhecimento da culpa, colaboração com a justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de ter sido preso ou ter ficado preso por um período etc.

Tudo deve ser analisado pelo juiz em cada caso concreto. Lógico que todos esses fatores não precisam concorrer (todos) conjugadamente. Cada caso é um caso. Fundamental é o juiz analisar detidamente as circunstâncias do fato concreto (concomitantes e posteriores) assim como seu autor.

O fundamento jurídico para o reconhecimento do princípio da irrelevância penal do fato reside no art. 59 do CP (visto que o juiz, no momento da aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes de tudo, sua necessidade).

Mas quando o juiz reconhece o princípio da irrelevância penal do fato não está concedendo um perdão judicial extra-legal. Não é o caso. Referido princípio não é extra-legal, ao contrário, tem amparo legal expresso (no art. 59 do CP).

O juiz reconhece a dispensa da pena (ele deixa de aplicar a pena) no caso concreto e isso é feito com base no art. 59 do CP (que diz que o juiz só aplica a pena quando for necessária para reprovação e prevenção do delito).

A sentença do juiz, nesse caso, tem a mesma natureza jurídica da sentença que concede perdão judicial: é declaratória de extinção da punibilidade (Súmula 18 do STJ)”(17).

Notas:

(16) 31/08/2006.

(17) – 11 de abril de 2006

Rômulo de Andrade Moreira é procurador de Justiça na Bahia. Foi assessor especial do procurador-geral de Justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex-procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-Unifacs, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da Unifacs. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador- Unifacs (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm, do Curso IELF, da Universidade Jorge Amado e da Fundação Escola Superior do Ministério Público. Autor das obras “Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria) e “Juizados Especiais Criminais” Editora JusPodivm, 2008, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.

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