O pleno do Supremo Tribunal Federal manteve, por 9 (nove) votos a 1 (um), na sessão plenária realizada em data de 4/3/2010, a prisão preventiva do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

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A Suprema Corte brasileira, por maioria, na esteira do voto condutor proferido pelo Ministro Marco Aurélio, manteve a prisão cautelar decretada pelo Ministro Fernando Gonçalves integrante do Superior Tribunal de Justiça. Não obstante o conteúdo da respeitável decisão do Supremo Tribunal Federal há aspectos deste decisum que demandam uma análise mais detida.

Um destes aspectos deriva da compreensão do conteúdo do artigo 103 da Lei Orgânica do Distrito Federal(1) que, reproduzindo literalmente o conteúdo normativo do artigo 86(2) da carta política brasileira, vincula o processamento criminal do governador do Distrito Federal a autorização da competente casa legislativa.

O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, ao enfrentar a questão, com honestidade ímpar, o que lhe é peculiar, alegou que referida norma contemplada na Lei Orgânica do Distrito Federal padece de inconstitucionalidade, na medida em que viola o princípio republicano.

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Aliás, diga-se que sua Excelência apenas ressalta aquilo que já havia consignado no julgamento do Agravo Regimental na Petição n.º 3.838/RO em caso que envolvia Senador da República e Governador do Estado.

Ocorre, contudo, que referida norma reproduzida tanto na Lei Orgânica do Distrito Federal quanto na Lei Orgânica de Rondônia, pela simetria, apontada como inconstitucional pelo Ministro Marco Aurélio no julgamento aqui analisado, não teve ainda sua inconstitucionalidade declarada pela Suprema Corte brasileira, uma vez que aquele agravo regimental, como esclarecido por sua Excelência, perdeu o objeto, porquanto o detentor da prerrogativa de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal no caso o Senador da República perdeu o mandato.

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Muito pelo contrário, todas as vezes que a Suprema Corte se manifestou acerca do tema referendou a aplicabilidade, in totum, do referido dispositivo que, em atenção ao principio da simetria, é previsto na lei orgânica de quase todos os estados da federação, jamais cogitando sua inconstitucionalidade.

Nesse sentido citam-se os seguintes precedentes da Suprema Corte brasileira, precedentes estes relatados pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Celso de Mello respectivamente: RE n.º 159.230/PB(3) e HC n.º 85.011/MG(4).

Portanto, a cláusula impeditiva de processamento do chefe do executivo estadual sem a autorização da maioria qualificada da competente casa legislativa sempre que analisada pelo Supremo foi considerada válida e regular, não se podendo afirmar que aludida questão encontra-se superada.

Nessa perspectiva faz-se oportuno enfatizar que é regra básica do direito pátrio que as normas vigentes no ordenamento jurídico presumem-se válidas até que sua inconstitucionalidade seja declarada ou até que sejam revogadas por outras normas. No caso em questão, o próprio Ministro relator reconhece que referida lei não teve ainda sua inconstitucionalidade declarada.

Pode-se aludir, entretanto, que referida inconstitucionalidade foi declarada no próprio habeas corpus. Contudo, tal alusão é constitucionalmente inviável. Explica-se: no habeas corpus não se argumentou a inconstitucionalidade do artigo da Lei Orgânica do Distrito Federal, logo a declaração de inconstitucionalidade da norma não fazia parte da causa de pedir da impetração, sendo que o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma, de ofício, faria com que o habeas corpus revertesse contra o paciente o que é inviável na ordem constitucional vigente.

Em outras palavras, a inconstitucionalidade do dispositivo normativo só poderia ser declarada em sede de habeas corpus se suscitada na impetração, o que não houve no caso em apreço, principalmente porque referida norma teria o condão, como teve na esteira do voto proferido pelo Ministro Dias Toffoli, de justificar a concessão do writ na medida em que obstaculiza a própria ação penal, pois a vincula a autorização da competente casa legislativa.

Note-se ainda que a prisão cautelar, no moldes do preconizado pela doutrina processual, é instrumental, cuja finalidade é manter a higidez do processo. Parece óbvio, portanto, que se a instauração deste, o processo, depende de autorização da casa legislativa, a prisão decretada para sua garantia também depende.

Por outro lado, a Suprema Corte brasileira sempre entendeu que, embora válida, referida cláusula não impossibilitava a instauração de inquéritos policiais para apurar eventuais ilícitos cometidos pelos chefes do executivo estadual ou distrital.

Saliente-se que foi justamente esta premissa, na ótica de alguns Ministros, que validava a intelecção dada pelo Superior Tribunal de Justiça ao caso em questão. De acordo com este argumento a prisão preventiva do governador se fazia necessária para garantir a eficaz colheita da prova a ser produzida na fase pré-processual, ou seja, para garantir íntegro o inquérito policial. Este argumento também merece uma ponderação.

Ora, se a prisão era necessária para manutenção da higidez do inquérito policial, por que não se reconhecer que esta mesma prisão já havia superado o prazo estipulado pelo legislador processual penal brasileiro para conclusão do inquérito, nos termos do que determina o artigo 10 do Código de Processo Penal?(5)

Tais observações são necessárias para que se compreenda o alcance da decisão proferida pelo Supremo, decisão que pode ter desvirtuado o significado ontológico da prisão cautelar, transformando-a em prisão pena, como se seu objetivo fosse a profilaxia e a exemplaridade.

Com a palavra o Supremo.

Notas:

(1) Admitida acusação contra o Governador, por dois terços da Câmara Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a própria Câmara Legislativa, nos crimes de responsabilidade.

(2) Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

(3) EMENTA: Governador de Estado: processo por crime comum: competência originaria do Superior Tribunal de Justiça que não implica a inconstitucionalidade da exigência pela Constituição Estadual da autorização previa da Assembléia Legislativa.

I – A transferência para o STJ da competência originaria para o processo por crime comum contra os Governadores, ao invés de elidi-la, reforça a constitucionalidade da exigência da autorização da Assembléia Legislativa para a sua instauração: se, no modelo federal, a exigência da autorização da Câmara dos Deputados para o processo contra o Presidente da Republica finca raízes no princípio da independência dos poderes centrais, a mesma inspiração se soma o dogma da autonomia do Estado-membro perante a União, quando se cuida de confiar a própria subsistência do mandato do Governador do primeiro a um órgão judiciário federal.

II – A necessidade da autorização previa da Assembléia Legislativa não traz o risco, quando negadas, de propiciar a impunidade dos delitos dos Governadores: a denegação traduz simples obstáculo temporário ao curso de ação penal, que implica, enquanto durar, a suspensão do fluxo do prazo prescricional.

(4) EMENTA: Habeas corpus. Governador de Estado. Instauração de persecução penal. Competência originária do Superior Tribunal de Justiça. Necessidade de prévia autorização a ser dada pela assembléia legislativa do Estado. Exigência que decorre do princípio da federação. Habeas corpus deferido. Princípio Republicano e responsabilidade plena dos governantes.

– A responsabilidade dos governantes tipifica-se como uma das pedras angulares essenciais à configuração mesma da idéia republicana (RTJ 162/462-464). A consagração do princípio da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, além de refletir uma conquista básica do regime democrático, constitui conseqüência necessária da forma republicana de governo adotada pela Constituição Federal.

O princípio republicano exprime, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos – os Governadores de Estado e do Distrito Federal, em particular – são igualmente responsáveis perante a lei.

RESPONSABILIDADE PENAL DO GOVERNADOR DO ESTADO. -Os Governadores de Estado – que dispõem de prerrogativa de foro ratione muneris, perante o Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, a) – estão sujeitos, uma vez obtida a necessária licença da respectiva Assembléia Legislativa (RTJ 151/978-979 – RTJ 158/280 -RTJ 170/40-41 – Lex/Jurisprudência do STF 210/24-26), a processo penal condenatório, ainda que as infrações penais a eles imputadas sejam estranhas ao exercício das funções governamentais.

CONTROLE LEGISLATIVO DA PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. – A jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, atenta ao princípio da Federação, impõe que a instauração de persecução penal, perante o Superior Tribunal de Justiça, contra Governador de Estado, por supostas práticas delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública ou de iniciativa privada, seja necessariamente precedida de autorização legislativa, dada pelo Poder Legislativo local, a quem incumbe, com fundamento em juízo de caráter eminentemente discricionário, exercer verdadeiro controle político prévio de qualquer acusação penal deduzida contra o Chefe do Poder Executivo do Estado-membro, compreendidas, na locução constitucional “crimes comuns”, todas as infrações penais (RTJ 33/590 – RTJ 166/785-786), inclusive as de caráter eleitoral (RTJ 63/1 – RTJ 148/689 -RTJ 150/688-689), e, até mesmo, as de natureza meramente contravencional (RTJ 91/423). Essa orientação – que submete, à Assembléia Legislativa local, a avaliação política sobre a conveniência de autorizar-se, ou não, o processamento de acusação penal contra o Governador do Estado – funda-se na circunstância de que, recebida a denúncia ou a queixa-crime pelo Superior Tribunal de Justiça, dar-se-á a suspensão funcional do Chefe do Poder Executivo estadual, que ficará afastado, temporariamente, do exercício do mandato que lhe foi conferido por voto popular, daí resultando verdadeira “destituição indireta de suas funções”, com grave comprometimento da própria autonomia político-institucional da unidade federada que dirige.

(5) Em face da razoabilidade alguns asseverarão. Contudo, data máxima vênia, parece estranho que um princípio criado justamente para proteger o indivíduo do poder do Estado seja sempre citado, como verdadeiro refrão, para justificar o excesso do próprio Estado. Alessandro Silverio é advogado criminalista e professor de direito penal da Universidade Positivo.