O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, parece disposto a desafiar o governo, não poupando sequer o presidente Lula. A última dele foi a idéia de barrar, a priori, as medidas provisórias que chegam à Câmara vindas do Planalto quando entender que não são nem urgentes nem relevantes. Pois urgentes e relevantes deveriam ser, por definição, pois esse instrumento excepcional, para não dizer ditatorial, colocado à disposição do presidente da República, e que FHC usou às pamparras, está servindo para uma verdadeira farra legiferante no governo. E, como até há pouco Lula contava com uma obediente, quase submissa maioria parlamentar, por MPs legislava ao seu bel-prazer, certo de que o exame posterior do Congresso seria favorável.

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O Congresso vinha perdendo sua razão de ser, pois não mais legislava. Apenas obedecia às ordens do Poder Executivo. As MPs são ?decretos? que entram em vigor imediatamente e são examinados a posteriori pelo Legislativo. Para serem baixadas, é exigência constitucional que tratem de matérias urgentes e relevantes. Além de essas exigências serem subjetivas, na maioria dos casos uma ou outra exigência, quando não as duas, simplesmente inexiste. Não há nem urgência nem relevância para aprovação da matéria, mas unicamente o desejo do presidente de governar sem dar a mínima para a opinião dos parlamentares e muito menos à do povo.

O motivo da criação das MPs, desde que urgentes e relevantes, é compreensível. O Congresso é lerdo e assuntos relevantes, e não raro urgentes, dormem em suas empoeiradas gavetas. Mas a democracia constrói suas leis devagar, porque elas precisam de longo amadurecimento, que começa antes mesmo de sua tramitação, quando as idéias e necessidades são maturadas no seio da sociedade, dentro do âmbito mais amplo da ética, até ganharem força suficiente para se transformar em propostas legais.

É de se melhorar o Congresso e não entregar ao presidente da República o condão de dizer o que acha relevante e urgente, dispensável o exame prévio dos representantes do povo. Lula abusa das MPs. O mesmo fez FHC. E isso distorce, descaracteriza a nossa democracia. Descaracteriza-a ainda muito mais quando um presidente da Câmara chamado Severino, nada contra o nome e muito contra suas sandices, entende que ele próprio pode rejeitar de imediato uma MP, declarando-a sem as condições de urgência e relevância. É pretensão demais. É poder exorbitante, tão ou mais exorbitante quanto o do presidente Lula, que baixa tais medidas por atacado.

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Estamos numa briga entre o sujo e o rasgado. Nem deve Lula baixar tantas medidas provisórias sem a devida fundamentação, nem tem Severino autoridade e conhecimentos suficientes para rejeitá-las ?in limine?. Aldo Rebelo e outros advogados de Lula criticaram Severino. E este, embora errado, tem sobra de argumentos para criticar as iniciativas legislativas por MPs do Executivo. Enquanto isso, a democracia desce ladeira abaixo.