Nossa abordagem sobre a figura do empresário conforme o novo Código Civil não é a de detalhar todos os aspectos que lhe envolvem, mas sim o de trazer uma visão geral desta pessoa que veio de forma mais ampla substituir a figura do comerciante. Vamos analisar a noção jurídica do empresário (1) e depois como fica caracterizado este status de empresário (2).
1 – O empresário
As profissões empresariais
Caráter geral das profissões empresariais
Noção de empresário – O artigo 966 do Código Civil “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”
A atividade econômica exercida de forma profissional é aquela exercida de forma principal e habitual. A principal atividade decorre de onde o empresário retira maiores benefícios econômicos. O caráter profissional da atividade é aqui outro elemento importante. Não se pode considerar como empresário quem pratica atos de natureza econômica sem exercer uma profissão, como por exemplo, aquele que resolve vender seus quadros de casa para substituí-los por outros de menor valor. O caráter profissional exige um certo tipo de vida que facilmente é perceptível pelo público, como ocorre a partir do momento da formação de uma clientela.
O pequeno empresário – A lei n.º 9.841/99 nos traz a noção de pequeno empresário em virtude de seu faturamento, considerando como pequeno empresário a microempresa, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e a empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais) e igual ou inferior a R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais).
O grande empresário, por exclusão, é quem não é pequeno empresário.Não interessa o número de pessoas que ele emprega e sim seu faturamento.
O empresário rural – O Código Civil menciona no artigo 970 mas não dá a noção de quem é empresário rural. Uma pessoa que explora o turismo ecológico é empresário rural? O cultivador de fungos é empresário rural? O pecuarista é empresário rural? O empresário rural tem uma atividade civil, ele é o agricultor , o pecuarista, o cultivador de fungos, aquele que explora o ecoturismo, ….
Princípio da classificação das atividades profissionais
O exercício de uma atividade econômica – A atividade econômica é aquela desempenhada visando a produção, circulação ou distribuição de riquezas através de bens e serviços. A atividade é constituída de uma pluralidade de atos tanto jurídicos como materiais voluntariamente encadeados com um objetivo comum. O caráter econômico da atividade deve ser analisado com relação a troca de riquezas gerada pela atividade. A atividade não deve ser confundida com as noções próximas de profissão e empresa nem com os atos que a compõe e a pessoa que a exerce. Sendo a noção de atividade diferente e exterior a suas noções próximas ela poderá exercer uma influência sobre sua natureza e sobre o regime jurídico que lhe é aplicável.
A organização da atividade.- A questão da organização da atividade econômica certamente será muito discutida. Ela me parece não ser essencial para a qualificação do empresário, pois, qualquer atividade quase sempre é exercida de forma organizada, com exceção daquelas improvisadas.
A finalidade da atividade econômica é para a produção ou a circulação de bens e serviços – A atividade econômica desenvolvida pelo empresário deve ser destinada a produção de bens e serviços de forma autônoma e estruturalmente destinada a venda exterior.
II – Determinação das profissões empresariais
A- Campo de aplicação
As profissões empresariais são aquelas que se encontram nas empresas de distribuição encarregadas da venda de matérias-primas aos fabricantes, as mercadorias aos consumidores, nas empresas de produção chamadas ordinariamente de industrial, nas empresas de serviços, como ocorre com as empresas de transportes e nas empresas auxiliares que trabalham com dinheiro ou crédito, como ocorre com os bancos, seguradoras ou ainda ajudam os comerciantes nas conclusões de seus negócios, como são os intermediários agentes comerciais.
B – Exclusão do campo de aplicação
O Código Civil no parágrafo único do artigo 966 “não considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
O exercício das profissões mencionadas neste parágrafo são distintas do exercício da profissão como elemento da atividade da empresa. Assim, quem exerce profissão intelectual não está sujeito a falência ou a obrigação de manter uma escrituração contábil, etc, já o empresário sim. Dessa forma, um farmacêutico (pessoa física), que trabalha em uma farmácia (pessoa jurídica), da qual é sócio, não é considerado empresário porque ele é um elemento da atividade da empresa e ele não está submetido às obrigações e aos direitos nos quais se enquadram os empresários e ele fica somente submetido à legislação imposta à sua categoria, enquanto que a farmácia (pessoa jurídica) fica submetida ao estatuto legal aplicável aos empresários.
2 – Condição jurídica do empresário
O empresário registrado na Junta Comercial possui direitos e obrigações que lhe são próprios em virtude de seu status profissional, como por exemplo, o empresário tem direito a requerer concordata e a obrigação de manter uma escrituração contábil conforme o tamanho de suas atividades. Para ser considerado empresário ele terá que provar esta qualidade (I) e esta prova não se resume a sua inscrição junto a Junta Comercial de seu estabelecimento (II).
I – Modos de prova
Não existe no direito brasileiro nenhum atestado que prove a condição de empresário, a simples inscrição na Junta Comercial não é prova suficiente do status de empresário, ela somente é uma presunção porque uma pessoa pode estar somente inscrita na Junta sem jamais ter exercido nenhuma atividade comercial. Mesmo que uma pessoa não esteja inscrita na Junta Comercial uma prova por todos os meios em direito admitidas de sua condição de empresário poderá ser feita contra ela e não a seu favor.
II – O Registro Público de Empresas Mercantis
A) A organização do registro
O artigo 967 do Código Civil reza que ” é obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. “
O artigo 1.150 estabelece que “o empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais…”
O Registro Público de Empresas Mercantis é um registro administrativo a cargo das Juntas Comerciais de cada Estado que dá aos interessados o direito de obter informações úteis a respeito das empresas ali cadastradas.
A obrigatoriedade do registro – Toda pessoa física e a sociedade empresária tendo a qualidade de empresário devem obrigatoriamente estar registrados no Registro Público de Empresas Mercantis, que se dá atualmente na Junta Comercial da respectiva sede dentro do território nacional.
As menções obrigatórias para inscrição do empresário devem conter: 1.º o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado civil e, se casado, o regime de bens; 2.º a firma, com a respectiva assinatura autógrafa; 3.º o capital; 4.º o objeto e a sede da empresa. Um livro próprio é aberto para o registro dos empresários contendo estas indicações e as averbações posteriores de forma cronológica.
O empresário deverá cumprir com as formalidades exigidas pela legislação para que seja registrado, segundo estabelecem o artigo 1152 do Código Civil e seus parágrafos e o artigo 1153. A autoridade competente, antes de efetivar o registro deve verificar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados. Como ainda o Código Civil não está em vigor na parte que se refere ao empresário, está ainda sendo discutida a questão que diz respeito sobre a necessidade ou não de ser dada publicidade do registro do empresário em meios diversos da Junta Comercial, como a colocação em jornal de grande circulação. Seria conveniente a colocação na internet do registro e das alterações posteriores exigidas por lei da situação do empresário para que os interessados tomassem com maior facilidade conhecimento da condição jurídica do empresário.
Caso as formalidades exigidas não sejam preenchidas, desde que motivadas, o empresário poderá saná-las após ter tomado conhecimento prévio conforme determina o artigo 1153, parágrafo único do Código Civil. A verificação do preenchimento destas formalidades deve ser feito num prazo razoável.
À Junta Comercial cabe verificar o preenchimento das formalidades legais exigidas para o registro do empresário e das modificações posteriores na sua inscrição, sob pena de esta ser responsabilizada. Se houver alguma modificação posterior que exija do empresário modificações em sua inscrição este deverá ser comunicado para fazê-las e se assim não proceder poderá ter que realizá-las judicialmente, inclusive com a aplicação de multa arbitrada discricionariamente pelo julgador. As declarações feitas pelo empresário para seu registro e modificações devem ser sinceras sob pena de este ser responsabilizado.
Da publicidade dos atos permitidos – O Registro Público de empresas mercantis é público, no sentido que toda pessoa pode obter informações públicas, onde não exista restrição, desde que pague as custas necessárias. Assim ele poderá obter por exemplo, cópia integral ou simplificada do registro de um empresário e das modificações ocorridas em seu registro, inclusive de que um empresário não está mais registrado.
O empresário que instituir estabelecimento secundário (sucursal, filial ou agência), deverá, em lugar sujeito à jurisdição de outro Registro Público de Empresas Mercantis também registrar estes estabelecimentos com a prova da inscrição originária e ainda averbar esta inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis de sua respectiva sede, consoante estabelece o artigo 969 e seu parágrafo único.
Do tratamento especial ao pequeno empresário e ao empresário rural – O artigo 970 do Código Civil estabelece que ” a lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes “. Este tratamento favorecido, diferenciado e simplificado concedidos ao empresário rural e ao pequeno empresário é encontrado por exemplo, no que diz respeito ao visto de advogado no contrato social. Ele é dispensado para o contrato social de microempresa e de empresa de pequeno porte segundo o art. 1.º, § 2.º, da Lei n.º 8.906, de 4.7.94 e art. 6.º, parágrafo único, da Lei n.º 9.841, de 5.10.99. Neste sentido também deverá ocorrer com o empresário rural.
Da faculdade do empresário rural equiparar-se ao empresário comum e suas conseqüências – O artigo 971 do Código Civil diz que “o empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro “.
O empresário rural desenvolve uma atividade tipicamente civil e não está sujeito à aplicação dos direito e obrigações inerentes aos empresários comerciais quando ele não está inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede.
O empresário rural mencionado no artigo 971 do Código Civil inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis está sujeito a lei falimentar? Atualmente o produtor rural não está submetido à lei falimentar e não pode ser considerado falido e nem pode requerer concordata. Com a atual reforma do Código Civil e sua entrada em vigor no que concerne ao direito da empresa, me parece que esta solução não poderá ser mantida já que o empresário rural passa a ser, para todos os efeitos, equiparado ao empresário comercial, estando sujeito à falência e requerer concordata, desde que registrado na Junta Comercial e atenda os demais requisitos da lei falimentar, porque ele passa a ser equiparado ao empresário que não é rural.
A pessoa obrigada por lei a fazer registro segundo estabelece o artigo 1151 do Código Civil pode ser por exemplo, o assistente de pessoa incapaz. Essas pessoas são determinadas por lei e em casos de omissão ou demora responderão por perdas e danos segundo o artigo 1.151, parágrafo 3 do Código Civil. Nestes casos o sócio ou qualquer interessado poderão fazer o registro.
Os documentos necessários ao registro deverão ser apresentados no prazo de 30 dias, contado, da lavratura dos atos respectivos e fora deste prazo, o registro somente produzirá efeito após a data de sua concessão, segundo estabelecem os parágrafos 1 e 2 do artigo mencionado. Estes documentos são exigidos pela Junta Comercial, como por exemplo, para a constituição de uma empresa individual por um estrangeiro a prova de que ele possui um visto permanente.
Da existência de registros diferenciados entre empresas mercantis e sociedade simples – O artigo 1.150 estabelece que ” o empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária. “
Somente a pessoa física e a jurídica empresários vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis. Se uma sociedade simples (será objeto de nosso artigo posteriormente), como por exemplo, uma empresa de vigilância, adotar a forma de sociedade limitada, ela deverá obedecer às normas fixadas para o registro desta forma de sociedade empresarial, mas ela não deixará de ter sua natureza de atividade civil. A sociedade de advogados continua subordinada as prescrições estabelecidas pela sua lei própria e pelo menos neste momento não existe a possibilidade de se criar por exemplo, uma sociedade de responsabilidade limitada de advogados registrada junto ao Registro Civil de Pessoas Jurídicas.
B) Os efeitos da inscrição e da falta de inscrição
O artigo 1.154 do Código Civil estabelece que “o ato sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia.
Parágrafo único. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as referidas formalidades.”
A personalidade jurídica – Desde o momento onde está registrado o empresário surge sua personalidade jurídica e os direitos e obrigações que lhe são inerentes. O efeito da inscrição é declaratório e não constitutivo e terceiros não podem alegar desconhecimento de suas declarações após seu registro.
O registro deve ser realizado antes do início das atividades – A pessoa que não está devidamente registrada e está exercendo uma atividade econômica não poderá invocar os direitos inerentes aos empresários, como por exemplo, o de requerer concordata, mas estará sujeito as obrigações que dizem respeito aos empresários, por isso é que existe a necessidade do registro antes do início das atividades.
Da oponibilidade perante terceiros – Os fatos e atos que devem ser registrado e não o são no Registro Público de Empresas Mercantis não poderão ser opostos perante terceiros ou a administração pública, a não ser que se prove que eles tinham conhecimento. Assim, uma divulgação feita em um jornal de grande circulação não é suficiente. Qualquer alteração relevante em um contrato social não levada a registro não operará efeitos perante terceiros, mas somente entre as partes contratantes. A cessão de quotas entre sócios não levada a registro perante a Junta Comercial não produz efeitos perante terceiros, mas somente entre as partes contratantes.
Da empresa inativa – O empresário que uma vez registrado e após exercer suas atividades resolve suspendê-las não perde sua qualidade porque ele está somente inativo podendo retornar às suas atividades a qualquer momento.
Robson Zanetti
é mestre e doutorando em Direito Privado pela Universidade de Paris, especialista em Direito Privado pela Universidade de Milão. E-mail: robsonzanetti@hotmail.com