Os contratos habitacionais, vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), têm, na sua base, a vocação de permitirem a aquisição da casa própria e, com isto, solucionarem o crônico problema social do déficit habitacional em nosso País.
Mas, se na essência, a sua configuração representa para muitos a conquista de um sonho, não raro a operacionalização de seus efeitos, têm mostrado uma conseqüência altamente perversa, capaz de transformar a realidade em um pesadelo ruim, da pior espécie.
Realmente, a ocorrência de capitalização de juros nesses contratos, ainda que habilmente disfarçadas, provocam a sua excessiva onerosidade, gerando inadimplência dos mutuários, com efeitos nefastos, desde o comprometimento do nome do devedor, nos órgãos de restrição de crédito, como SERASA, CADIN e outros, até o perdimento do imóvel financiado, em favor do agente financeiro.
Contudo, os Tribunais de uma maneira geral e, em especial, o Superior Tribunal de Justiça, vêm agindo firmemente para reprimir abusos, cometidos no âmbito dos contratos habitacionais.
De início, é importante ressaltar e definir o que seja capitalização de juros, pois, esta expressão encobre prática reprovável, que configura-se pela incidência das taxas de juros estipulada no contrato, sobre juros anteriormente calculados e embutidos na base de cálculo da prestação, gerando o que em Direito denomina-se como anatocismo, ou, cobrança de juros sobre juros, que é vedado, justamente, por gerar um enriquecimento sem causa.
Ocorre, que esta conduta rechaçada pela lei, moral e bons costumes, nos contratos habitacionais é camuflada por uma obra de engenharia jurídica.
Efetivamente, no mútuo habitacional, é comum as partes ajustarem a renegociação do débito. Nesse instante, incide a chamada ?Tabela Price?, também conhecida por ?Sistema Francês de Amortização?, pelo qual, apura-se, de forma antecipada, o valor das prestações, sendo estas compostas de parcela de amortização do capital e de juros. Se o valor da prestação for suficiente para o pagamento da parcela mensal dos juros, não haverá incorporação dos juros ao saldo devedor, em caso contrário, que é o que comumente ocorre, haverá a fusão dos juros devidos e não pagos no saldo devedor, mas isto, na ótica dos agentes financeiros, não se constituiria em anatocismo, mas sim, em capital que deveria ingressar em seus cofres e não ingressou, constituindo-se em débito que, simplesmente, é acrescido ao capital (saldo devedor).
Há, na verdade, um indisfarçável ?efeito-capitalização? e, diante da ausência de previsão legal para sua incidência, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, não tem hesitado em afastá-la, naquelas ações revisionais manejadas pelos mutuários contra os agentes financeiros da habitação.
Marcione Pereira dos Santos é advogado, professor universitário em Maringá e Cascavel, com mestrado em Direito Civil pela UEM.
