O brasileiro não vive em paz. Diariamente se vê obrigado a consumir espalhafatoso noticiário que faz do aumento da violência sua razão de ser. Direitos e garantias fundamentais são tratados como meros privilégios. A cada crime, uma midiática “sentença condenatória irrecorrível”. A defesa é peça desimportante neste macabro jogo. Paredão é dádiva dos justiceiros. O “furo” e o discurso oportunista – e eleitoreiro para vários – ganham destaque, pouco importando as lágrimas dos vitimados. São os juízes paralelos. Julgam. Não são julgados.

Os noticiários são espetaculosos e de extremo mau gosto. Não informam nada. Não conscientizam ninguém. Não apontam soluções. Simulam advogar sentimentos da sociedade fragilizada. Utilizam, sem ética, do poder da mídia, para atingir seus espúrios fins. Não raro, contam com o apoio de inescrupulosos agentes do poder público que lhes dão in off aquilo que não podem fornecer in on. Tudo faz parte duma engrenagem bem azeitada. Neste campo de batalha, vale tudo. Neste jogo, não existem amadores. Carniceiros, disputam avidamente a liderança de mercado. Afinal de contas, milhares e milhares de dólares estão em jogo. Enfim, são profissionais e veículos (ou programas) que deveriam sucumbir. Não fariam, como não fazem, falta à sociedade.

Carregam nas tintas em razão da inércia do Judiciário, que não cumpre seu papel, dizem. Quem lhes outorgou função judicante? Será que foram os representantes dos fortes grupos econômicos que dirigem seus veículos de comunicação? Com a palavra, Zuenir Ventura: “O poder da imprensa é arbitrário e seus danos irreparáveis. O desmentido nunca tem a força do mentido. Na Justiça, há pelo menos um código para dizer o que é crime; na imprensa não há norma nem para estabelecer o que é notícia, quanto mais ética. Mas a diferença é que no julgamento da imprensa as pessoas são culpadas até a prova em contrário”.

O show não tem limite…

A violência há de ser enfrentada com destemor. A população há de ser informada de forma sensata e equilibrada. Há de haver reação da imprensa. Desta, nascerão as da sociedade civil e as dos poderes institucionalizados. Não a queremos inerte. Necessitamos de sua agilidade, para que possamos decidir, conscientemente, sobre os destinos de nossa gente, com a implementação de políticas públicas construtivas. Esta é a missão da imprensa: informar com liberdade, mas, sobretudo, com ética.

Para tanto, ela há de ser livre e independente. Porém, isto não lhe outorga poderes de vilipendiar direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, em especial, a dos envolvidos na complexa máquina enferrujada chamada criminalidade. Ao agir diferente, a imprensa extrapola importantíssimo papel que lhe foi delegado, prestando um desserviço à sociedade.

Reconhecemos sua nobre função social. Sabemos que um país só atinge sua maturidade política com sua imprensa liberta e autônoma. Não pretendemos voltar aos sombrios tempos da censura. “Os males da imprensa curam-se com a própria imprensa”, já dissera Pedro II. Muito do que agora se publiciza com insuportável alarde é fruto do silêncio imposto por governos ditatoriais. Os operadores da extravagante mídia de hoje são os mesmos covardes de ontem. Àquela época, com o aval destes, era proibido falar sobre nossas mazelas sociais. Pelo silêncio imposto, donas de casa deliciavam-se com receitas de bolos servidos nos lanches familiares de domingo, enquanto a população desinformada acompanhava, com o general de plantão, notícias sobre o milagre brasileiro e as conquistas do escrete nacional. Pra frente Brasil! Salve a seleção…

Sem a liberdade de informação nenhum avanço é possível, porque, sendo ela um fracionamento da liberdade do pensamento – relevante conquista dos estados de oxigenada democracia – não poderemos participar da vida em sociedade, pois nos faltará conhecimento mínimo necessário para o exercício da cidadania.

A sociedade civil tem que ficar atenta. Muito atenta. Recusando-se a consumir este nojento e antiético jornalismo, voltado, tão-só, para a liderança de mercado. Liderança de mercado é poder. Poder tem preço: ricos anunciantes.

Chega! Basta! O show tem limite!

Luis Guilherme Vieira é advogado no Rio de Janeiro, professor da Universidade Cândido Mendes (RJ e PR), secretário-geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e presidente do Movimento Antiterror.

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