Tema a ser abordado durante o VII Congresso Paranaense de Direito Administrativo o serviço público sempre se revelou desafiador e instigante. Para Caio TÁCITO, uma das mais árduas missões do jurista, no Direito Administrativo, é o de conceituar adequadamente o serviço público. Marcelo CAETANO considera a expressão serviço público ambígua na doutrina e na prática.
Segundo Carlos GARCIA OVIEDO e Enrique MARTINEZ USEROS, toda a escola moderna fez da teoria do serviço público a coluna vertebral do Direito Público. Considerado pedra angular no Direito Administrativo Francês e referencial para a discriminação da competência jurisdicional da Justiça Administrativa e da Justiça Comum, não foram poucos os autores estrangeiros que advertiram para uma crise da noção do serviço público.
Marçal JUSTEN FILHO destaca a historicidade do conceito de serviço público: ?O conceito de serviço público é um conceito reflexo. Deriva do modelo constitucional assumido pela comunidade, inclusive no tocante à função e ao papel que a própria comunidade reserva para si própria. Por isso, é impossível formular conceito não histórico de serviço público.?
Para Jean RIVERO, para além das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da noção de serviço público, o certo é que ?criar um serviço público é afirmar que o interesse geral seria comprometido caso não fosse satisfeita a necessidade social correspondente e que a intervenção de uma pessoa pública é indispensável para prover nesse sentido?. O que diferencia o serviço público de outras atividades privadas que também visam satisfazer o interesse geral é que naquele esta satisfação é o fim exclusivo.
Marcelo CAETANO define o serviço público como ?modo de atuar da autoridade pública a fim de facultar, por modo regular e contínua, a quantos deles careçam, os meios idôneos para satisfação de uma necessidade coletiva individualmente sentida?.
Carmem Lúcia ANTUNES ROCHA define serviço público como ?atividade prestada pela entidade pública a quem o Direito entregou a competência para o seu desempenho ou por alguém em seu nome e sob a sua responsabilidade?.
A relatividade da noção de serviço público foi acentuada por Themístocles Cavalcanti. De outro lado, a essencialidade do serviço é um conceito relativo. Um serviço que hoje é considerado essencial pode não ter sido considerado essencial há dez anos atrás. Como acentua Caio TÁCITO, ?é certo que o âmbito do serviço público exprime as oscilações políticas do Estado. A moderna tendência intervencionista no domínio econômico e social atraiu para o terreno da atividade administrativa um elenco de serviços que não figuram nos modelos clássicos da Administração Pública?.
O Estado moderno é essencialmente um Estado social. É a prática encarnação da teoria dos fins expansivos: o Estado não se inibe de nenhum dos problemas que a sociedade política personifica.
Todavia, como lembra Carmem Lúcia ANTUNES ROCHA, ?alguns dos dispositivos constitucionais deixam clara a definição de algumas atividades como serviços públicos, superando-se o debate quanto à sua classificação e quase que inteiramente quanto ao regime de Direito que sobre eles deve incidir no Direito Positivo fundamental?. Cita expressamente o serviço de telecomunicações.
O serviço público é essencial não porque se refira a funções ou fins essenciais do Estado. Para que um serviço público seja essencial não é necessário que se refira a uma atividade necessária do Estado. Aliás, segundo o grande mestre italiano, Massimo Severo GIANNINI, a função pública, fundada no poder soberano, é atividade necessária do Estado, mas o serviço público é atividade que somente adquire este caráter quando o Estado dela se faz titular podendo, em princípio, ser exercida pelos particulares. A distinção entre função pública e serviço público é acolhida pela doutrina brasileira.
Neste ponto, diverge de Diogo FIGUEIREDO MOREIRA NETO: ?Certos serviços, de tão importantes, se constituem num imperativo para a própria sobrevivência do Estado, tais como os de defesa nacional, o policial, o sanitário, o fiscal e o diplomático: atendem a necessidades essenciais da coletividade, não lhe restando outra alternativa que executá-los, ele próprio são os serviços essenciais ou serviços públicos em sentido estrito. Os demais que, sem serem considerados por lei essenciais, atendem às necessidades secundárias da sociedade, definem também o Estado, tendo, todavia, a faculdade de transferir a terceiros a execução, sob as condições que houver por bem impor – são os serviços secundários ou serviços de utilidade pública?. Concepção que separa função pública e serviço público no sentido de GIANINNI.
A exaustiva referência doutrinária presta-se a evidenciar que em princípio – a natureza do serviço impede a descompromissada transferência pelo Poder Público de atividades que lhe são próprias. Todavia, esta a missão dos debatedores que estarão presente ao importante evento.
Romeu Felipe Bacellar Filho é doutor em Direito do Estado, professor Titular da PUCPR, professor da UFPR.