Considerar o caso Renan Calheiros como de somenos é decretar a insignificância dele, do seu cargo de presidente de uma das casas do Congresso e descartável o próprio Senado Federal. Não obstante tudo isso seja verdadeiro crime de lesa-pátria, parece que é o que desejam muitos de nossos senadores, aqueles que cercam o político alagoano blindando-o contra qualquer investigação, julgamento e punição ou até mesmo absolvição no Conselho de Ética do Senado Federal.

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Nessa novela, Calheiros, que sempre teve pose e até prestígio de terceiro na sucessão presidencial, de repente despenca não porque andou pulando cerca e tendo uma filha com uma jornalista de Brasília nem mesmo porque de forma duvidosa pagou a ela pensão alimentícia para o inocente fruto do adultério, mas porque os nossos legisladores querem sacramentar como lei o ditado de que ?corvo não come corvo?. Preferem uma posição amoral, sem ética alguma, tudo para salvar o colega congressista de constrangimentos, como se já não os estivesse sofrendo quando, inexorável, a opinião pública o coloca no banco dos réus. A desculpa é que é um julgamento político. E política no Brasil não costuma ser um campo onde a ética é levada a sério.

No mais, quem quer que chegue à elevada posição de senador e ainda de presidente do Senado Federal tem indulgência plena. Pode ter amantes, filhos naturais e fortunas formadas ou geridas de maneira duvidosa. Pode até mandar empresas com interesses contratuais com o poder público pagar suas contas pessoais ou pagá-las de seu próprio dinheiro, sem provar com clareza a origem dos recursos. E os senadores que se reúnem em conluio para blindar Renan Calheiros parecem ou pareciam até dois dias atrás dispostos a provar que o político alagoano é o ?rei do gado?, rico como convém a um homem de sua posição social e política e dispensado de provar a legitimidade de seus negócios públicos e particulares. Isso, mesmo quando investigações ainda superficiais mostram venda de partidas de gado de suas seis fazendas em volumes extraordinários para empresas fantasmas e pequenos açougues de vilarejos nordestinos. Ou que cheques que entraram em suas contas bancárias e foram ?recibado?, aparecem com a mesma numeração em diferentes negócios e datas distintas.

Não é hora de condenar nem absolver o presidente do Senado. Não há argumentos e provas suficientes nem para uma coisa nem para outra. É hora de investigar a fundo o escândalo, pois o que está em jogo não é mais a figura pomposa do senador presidente do Senado Federal, sucessor e aliado do presidente Lula. O que está em jogo é a derradeira esperança de que neste País, que nunca viveu um tempo tão auspicioso desde a proclamação da República, como se jacta o presidente Lula, ainda resta algum apreço pelas instituições. Ser senador, presidente do Senado, fazendeiro e até rei do gado não é um papel de estória de ficção. O rei do gado, neste caso, é ou deveria ser a figura mais representativa e expressiva do parlamento brasileiro. E não podemos admitir que esta era que se diz auspiciosa e única desde que outro alagoano proclamou a República, seja a que marque indelevelmente o fim de qualquer respeito do povo pela instituição que o representa, o Congresso Nacional.

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Talvez seja por isso que se começa a comentar que alguns senadores aliados já pensam em aconselhar a Renan Calheiros que se afaste de seu cargo. Que se licencie, já que renunciar parece improvável e legalmente proibido. Que estanque o mar de lama que está se formando e atingindo a todos os senadores que se negam a permitir a investigação da verdade. Se não, o resultado indefectível será a desmoralização do Senado e a de cada um dos aliados de Renan que um dia serão cobrados pelo papelão que estão desempenhando nessa novela. Serão vistos como gado tangido por interesses inconfessáveis, docilmente seguindo a tropa para o sacrifício de derradeiros resquícios de dignidade na vida pública.