O artigo 35 da Lei n.º 10.826, de 22/12/2003, dispõe sobre o registro, posse e comercialização de arma de fogo e munição e cria o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), definindo os crimes e em suas Disposições Finais, estabelece a realização de um REFERENDO POPULAR, a ser realizado em outubro de 2005. O Dicionário Aurélio define REFERENDO ou REFERENDUM como: ?o direito que têm os cidadãos de se pronunciar diretamente a respeito das questões de interesse geral?.
O referendo é um modo de participação na vontade popular e também uma modalidade de manifestação do voto. É o direito dos cidadãos de emitirem diretamente a sua opinião em assuntos de interesse geral, em questões políticas ou administrativas, impondo, sancionando ou recusando leis ou projetos. O referendo é considerado como uma votação popular que se diferencia do plebiscito por sua maior regularidade, sendo um mecanismo de defesa, mediante o qual o povo ou o eleitorado pode aprovar ou vetar, contrapondo-se a uma medida determinada pelos seus representantes.
As Nações Unidas, há muito tem se preocupado com o problema das armas de fogo ficando recomendado na reunião realizada em Viena no ano de 1996 de que os Estados-Membros deveriam fortalecer as suas legislações internas, tornando rígido o controle da aquisição, posse e porte de arma de fogo. Esta recomendação demonstra que uma cifra relevante da criminalidade tem origem na falta de regulamentação e controle do porte e comercialização das armas de fogo pois o clamor social tem denunciado o excesso de violência em distintos âmbitos onde a presença de armas é uma constante.
O Brasil figura entre os maiores exportadores de armas leves do mundo e um estudo da Unesco revela que em nosso país, 107 pessoas são mortas por dia vitimas de armas de fogo, ultrapassando mais de trinta mil por ano, números bem superior a algumas guerras. De 1979 a 2003 foram 550 mil mortos, deixando o Brasil atrás apenas da Venezuela entre os países campeões de mortalidade a tiro, pois os homicídios por disparos de revólver e pistolas subiram mais de 542%. Depois do enfarto agudo do miocárdio, as mortes por arma de fogo figuram nas estatísticas em segundo lugar, correspondendo a quase 4% dos óbitos ocorridos no ano de 2003 em nossa Capital. Modificações legislativas transformaram a contravenção do porte ilegal de arma de fogo em crime, regulamentando-se a sua aquisição e posse, atualizando e modernizando a legislação penal quando às aspirações de segurança pública reduzindo-se a delinqüência urbana. O controle da criminalidade exige que se invista em educação e trabalho e as Nações Unidas têm insistido nas campanhas de sensibilização pública sobre o controle das armas de fogo. Essas campanhas que o Poder Público vem promovendo no sentido do esclarecimento e sensibilização da sociedade visam ao desarmamento popular, sob os aspectos moral e bélico. A sociedade esta sendo mobilizada em um aparente mutirão contra a violência, na aspiração da paz social do povo brasileiro.
A Lei n.º 10.826/03, conhecida como o Estatuto do Desarmamento, dispõe sobre o registro, posse e comercialização de arma de fogo e munição e detonou debates inflamados, principalmente com os gastos do Estado no tratamento dos baleados, que alcança a cifra de mais de cento e quarenta milhões de reais por ano. Justifica-se que a atual proliferação de armas de fogo em mãos de pessoas não autorizadas e de delinqüentes é conseqüência de um comércio legal que contribui, também, para alimentar o mercado clandestino, em razão das limitações do sistema de fiscalização. As armas nascem legais, compradas por cidadãos comuns e depois vendidas ou subtraídas, alimentando desta forma o ciclo de violência, tendo sido apreendido de janeiro até agora mais de quarenta e cinco mil armas, representando um aumento de 110% em relação ao ano de 2004. Até junho do corrente ano já foram arrecadadas no Brasil mais de trezentas e quarenta mil armas e o Governo pretende atingir a meta das quinhentas mil armas até o referendo.
Com a aprovação do referendo, somente no mês de julho mais de mil armas foram registradas no Paraná, representando um acréscimo de 158% com relação ao mês anterior.
A segurança pública é tutelada pela nossa Constituição e as armas de fogo, espécie de material bélico, estão intimamente relacionadas com esta. O Estado é responsável pela segurança pública e não será só pelo simples reforço do aparelho repressivo que a questão da criminalidade se resolverá, acabando-se com a violência e garantindo-se a paz.
A violência é inerente ao ser humano, razão pela qual todas as sociedades são conflitivas, variando-se os índices de violência de acordo com os graus de bem estar alcançados. Em uma sociedade, com menos desigualdade social, com uma policia participativa, comunitária e com policiais equipados, preparados e inteligentes, os conflitos serão realmente resolvidos pelo aparato policial, mas no momento isto tudo em nosso país é utopia. A violência é sintoma e não causa e, não se podendo acabar com a criminalidade, o ideal é mantê-la em níveis aceitáveis.
O combate ao crime não é só tarefa da polícia, não bastando as instâncias formais de controle social, mas há necessidade da participação das instâncias informais, que têm a função de proteger os mais fracos, de desenvolver sentimentos de solidariedade e de impor limites civilizados de convivência. A vida em sociedade será tão mais segura quanto maior for o bem estar coletivo e não quanto maior for o número de policiais nas ruas ou de delinqüentes nas cadeias.
Segundo as últimas pesquisas, circulam no Brasil mais de dezessete milhões de armas de fogo das quais, aproximadamente nove milhões ilegais, que estariam em poder de criminosos e de cidadãos que não as registraram.
No Paraná quase sete milhões de eleitores vão participar do referendo, cujo voto é obrigatório e que será realizado no próximo dia 23 de outubro e que deverá custar aos cofres públicos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, a fabulosa quantia de duzentos e cinqüenta milhões de reais e de acordo com outras fontes, em seiscentos milhões de reais, mais do que o dobro.
A verba do Fundo Nacional de Segurança Publica foi reduzida em 58% neste ano, ficando em menos de duzentos milhões e os gastos com o Referendo seriam muito mais bem utilizados em equipamentos para a polícia. Afirmam os defensores da proibição que quando o Referendo for aprovado quem tiver arma será considerado bandido e irá para a cadeia e que após a entrada em vigor da Lei n.º 10.826 houve uma diminuição das ocorrências por arma de fogo em 34% na cidade de Curitiba; 28% em Londrina e de 50% em Maringá. Afirmam também que é uma ilusão achar que estar armado é seguro, lembrando que de cada dez pessoas armadas que reagem a um assalto, oito morrem porque não estão preparadas para se defender. Morre-se mais no País por arma de fogo (30,1%) do que por acidente de trânsito (25,9%) e a probabilidade de um jovem morrer por arma de fogo no Brasil é 2,5% mais alta do que em acidente de trânsito. As taxas de morte por arma de fogo no Brasil é de 21,8% por 100 mil habitantes, e entre os homens de 20 a 29 anos, esta taxa é cinco vezes maior, chegando ao patamar de 103,1% por 100 mil habitantes e só em Foz do Iguaçu, no ano de 2004, foram cometidos 297 homicídios.
Os que são contra a proibição da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil afirmam a inexistência de correlação direta entre o número de armas em poder da população e os índices de criminalidade. O Brasil não é o país que detêm a maior quantidade de armas e não é também o que possui a legislação mais frouxa para regular o comércio, sendo a mais rígida dentre todas. Entretanto, aqui se cometem mais crimes com armas de fogo do que na Argentina, onde as exigências são mínimas, e na Suíça, onde há liberdade total para a aquisição de uma arma.
A redução da criminalidade não está automaticamente assegurada com a simples proibição do comércio, pois 75% do arsenal brasileiro de armas leves em poder da população é proveniente do tráfico e do comércio ilegal que são utilizadas para o cometimento de 82% dos homicídios praticados. O Rio Grande do Sul concentra quase 50% do total de armas registrada no Brasil e registra o sexto menor índice de homicídios do Pais.
A proibição do comércio legal de armas não fará recuar a ousadia do crime organizado e não baixará a taxa de delinqüência das ruas e muito menos trará o conforto de diminuir a sensação de insegurança. O secretário de Segurança Pública do Paraná afirmou que: ?proibir a venda de armas no Brasil não resolverá o problema da criminalidade, mas é uma boa alternativa para a segurança pública. a medida não ataca todos os focos do problema, não vai reduzir a violência de um modo geral, mas vai ajudar e muito, principalmente na diminuição dos crimes contra a vida?.
Proibida a comercialização, o Estado não terá mais instrumentos para controle da circulação de armas. A sensação de insegurança vai persistir porque as verdadeiras causas da criminalidade não são resolvidas em razão das deficiências do Estado e o mercado inteiro de armas de fogo irá para a clandestinidade. É impossível imaginar que diante da proibição do comércio legal ninguém mais comprará ou deixará de portar armas, pois a medida correta está no controle da fabricação e do porte de armas de fogo e não na proibição de sua comercialização.
Faz parte da história o que aconteceu com as populações da União Soviética, Turquia, China, Guatemala, Uganda, Camboja e outros países onde a população ordeira foi desarmada por leis draconianas e, na impossibilidade de se defenderem, foram caçados, dizimados e exterminados. Vitorioso o SIM, será aprovada a lei que proíbe COMERCIALIZAÇÃO de armas e munição no Brasil e ninguém mais poderá ter o direito comprar legalmente uma arma para a sua proteção, o que representaria uma espécie de proibição do porte e uso de armas que o próprio Estatuto não prevê.
O último país a editar uma lei obrigando os proprietários de arma de fogo a entregá-las ao Governo foi a Austrália e o resultado em doze meses foi a entrega de mais de seiscentos e cinqüenta mil armas a um custo de 500 milhões de dólares e com um índice de homicídios em alta de 3,2%, de agressões 8,6% e de roubos em 44%. Londres é hoje, depois do desarmamento, a capital do crime na Europa, o mesmo ocorrendo no Estado de Washington, onde a proibição do porte e comercialização de arma de fogo é total.
Os criminosos adoram o desarmamento das vítimas, faz a atividade deles ficar mais segura, pois tomar as armas do povo é extinguir a democracia. Os argumentos de quem é a favor da proibição são de que, após a entrada em vigor da campanha do desarmamento, houve uma queda de 8,2% nos homicídios no Brasil, 16% na Grande São Paulo e uma diminuição de 10,5% das internações hospitalares causadas por ferimentos com armas de fogo. Quem está armado em casa corre 60% mais riscos de ter morte violenta, pois 88% dos homicídios que ocorrem no Brasil são decorrentes de armas de fogo e 73% das armas de fogo apreendidas na criminalidade já foram legais um dia.
Os argumentos de quem é contra afirmam que, apesar da campanha do desarmamento, houve um aumento de 14,6% nos homicídios dolosos no Rio de Janeiro e as taxas de homicídio entre os gaúchos foram 3,8 vezes menores do que entre os paulistas, apesar de que no Rio Grande do Sul existirem sete vezes mais armas legais do que em São Paulo.
Os Estados Unidos é o país mais armado do mundo e o índice de homicídios é de 5,7 por mil habitantes e o Brasil, que tem pouco mais de 1% das armas existentes em território americano, tem a média de 27,5 homicídios por mil habitantes. No Rio de Janeiro o assalto a pedestres cresceu 71% entre abril do ano passado e maio deste ano.
A proibição da comercialização de armas de fogo e munição retira um direito do cidadão, pois a arma é um instrumento de defesa.
O Estado brasileiro não tem condições de dar educação, saúde, segurança e justiça e a proibição da comercialização de armas de fogo e munição vai ser um grande negócio para os contrabandistas de armas. A qualidade e a quantidade dos policiais disponíveis nas nossas cidades deixam muito a desejar em relação a agilidade e presteza no atendimento e em caso de emergência a polícia jamais te atenderá em cinco minutos após a ligação.
A segurança pública não esta equipada para lhe dar a proteção que determina a Constituição Federal, deixando-o intranqüilo com a sua família. César Beccaria, em 1.763 em sua obra ?Dos Delitos e das Penas? afirmou que: ?podem considerar-se como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, porque apenas desarmam o cidadão pacífico, enquanto que deixam a arma passar nas mãos do criminoso, muito habituado a violar as convenções mais sagradas para respeitar aquelas que são somente arbitrárias?.
Thomas Jefferson disse o seguinte: ?Leis que proíbem o cidadão de ter armas são leis que desarmam apenas aqueles que, na sua ampla maioria, não estão inclinados a cometer crimes. Estas leis tornam as coisas piores para as vítimas e melhores para os marginais, elas mais encorajam que previnem os crimes, pois enchem de confiança os assaltantes. A mais forte razão, em última análise, para um cidadão ter direito às armas, é para se protegerem contra a tirania de um governo.?
Finalmente, Cornélio Tassito, historiador romano disse em 116, dC que: ?quanto mais corrupto for um governo, mais leis contra a posse de armas terá.?
Dalio Zippin Filho é advogado criminalista e professor na Universidade Tuiuti do Paraná.