O referendo do dia 23

O referendo do próximo dia 23 decidirá sobre a vigência do artigo 35 do estatuto do desarmamento (lei n. 10.826/2003), a saber: ?É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6. desta lei.?  

Diz, por sua vez, o artigo 6. (com a alteração operada pela lei n. 10.867/2004):

?Art. 6. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

I os integrantes das Forças Armadas;

II os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal;

III os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;

IV os integrantes das guardas municipais dos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;

V os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança Institucional da Presidência da República;

VI os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;

VII os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;

VIII as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas nos termos desta Lei;

IX os integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem o uso de armas de fogo, na forma do regulamento desta Lei, observando-se, no que couber, a legislação ambiental;

º 1. ……………………     

º 5. Aos residentes em áreas rurais, que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, será autorizado, na forma prevista no regulamento desta Lei, o porte de arma de fogo na categoria ?caçador.?

º 6. Aos integrantes das guardas municipais dos Municípios que integram regiões metropolitanas será autorizado porte de arma de fogo, quando em serviço.?

Não obstante longa, a citação me parece necessária. Ela esclarece muitas das questões que têm sido levantadas em debates sobre o tema.

Nota-se portanto, de início:

O estatuto do desarmamento permite o porte de arma, de modo geral, a corporações públicas da área da segurança e inteligência; quanto a particulares, permite-o: a) a empresas de segurança privada e de transporte de valores; b) a praticantes de modalidade esportiva que exija seu uso; c) a residentes de áreas rurais, incluídos na categoria ?caçador?.

Essa lei foi promulgada em dezembro de 2003, e ninguém arguiu sua inconstitucionalidade. Ela está em vigor (salvo em seu art. 35), e não será alterada pelo resultado do referendo.

A finalidade do artigo 35 é impedir a venda de armas e munição a pessoas sem direito a porte. Creio, portanto, que estão fora de foco muitos dos argumentos que vêm sendo utilizados no debate.

Sei que algumas pessoas, peritas em armamento, consideram a proibição de portá-los como uma ofensa a seu direito individual. Essas pessoas, contudo, são exceções, e a lei não é feita para as exceções. Os assaltantes estão quase sempre em vantagem, e contra eles o simples cidadão não teria defesa ainda que possuísse uma metralhadora, em vez de um simples revólver.

Todos os países do mundo admitem restrições aos direitos individuais, quando seu exercício pode colocar em risco os direitos ou a vida de terceiros. Como advogado e jurista sempre sustentei que o único direito fundamental ilimitado é o direito de opinião.

Sei que exterminar a violência é difícil, ou talvez impossível. Mas no dia 23, afinal, terei a oportunidade de fazer algo eficaz contra ela. Nesse momento pensarei em todas as suas vítimas: as passadas, cuja perda lastimei, e as futuras, pelas quais não quero ser co-responsável. Votarei ?sim?, porque: a) o suposto benefício representado pela posse de arma de fogo está muito abaixo dos incontáveis malefícios que ela produz; e b) é adequada, e conseqüente, a proibição de venda de armas a pessoas proibidas de trazê-las fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade.

O estatuto do desarmamento é medida valiosa para a salvação de muitas vidas preciosas. Ao invés de atacá-lo, apliquemos nossas energias no fortalecimento das instituições e no combate à impunidade.

Sérgio Sérvulo da Cunha é advogado em Santos, ex-chefe de gabinete do ministro da Justiça Thomaz Bastos, autor, entre outras obras, de ?Fundamentos de Direito Constitucional?(Saraiva,2004).

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