(Exegese ao caput do art. 899 da CLT)
1. Introdução
Duas são as regras celetárias relativas ao encaminhamento de recursos na Justiça do Trabalho: o art. 899, caput, que trata de recurso ordinário, e o art. 897, § 1º, que trata do agravo de petição.
Ainda persiste entendimento doutrinário e jurisprudencial(1) no sentido de que mesmo para recorrer a parte pode atuar sem advogado, por força do art. 791 da CLT.
Em face do art. 133 da CF/88, que diz da imprescindibilidade do advogado para a administração da justiça, outra corrente doutrinária defende que para recorrer a parte deve estar representada por advogado, não mais subsistindo o art. 791, caput, da CLT. De conseqüência, necessariamente, o apelo deve ser fundamentado.
2. Forma de apresentação
Há afirmações na doutrina de que inexiste, sequer, exigência na CLT para o pedido e as razões do recurso serem feitos por escrito, sendo possível entender, interpretando o art. 899, que as partes poderiam interpor recurso por pedido verbal na Secretaria, por termo que deverá ser lavrado. Admitir-se-ia esse procedimento, mas apenas em coerência com o jus postulandi, ou seja, quando não atuem as partes por meio de advogado.
Para os que assim entendem, essa possibilidade, no entanto, restringir-se-ia ao recurso ordinário, no âmbito regional, salientando-se a inaplicabilidade do parágrafo único do art. 506 do CPC, acrescido pela Lei n.º 8.950/94, que determina protocolo da petição de recurso em cartório ou segundo a norma da organização judiciária, eis que a CLT possui regras expressas a respeito, e os recursos trabalhistas não se confundem com os do processo civil.
Entendemos, contudo, que, afora os casos de remessa de ofício, os recursos trabalhistas devem, sempre, ser apresentados em peça escrita, principalmente os agravos de petição e de instrumento. Este, porque sempre deve indicar os motivos da inadmissibilidade do apelo que se quer destrancar, e, aquele, porque dele se exige delimitação, concomitante, de matérias e valores.
3. A defesa do recurso por simples petição
A possibilidade de recurso mediante uma simples petição a desencadear a revisão do julgado é defendida por Amauri Mascaro Nascimento, Coqueijo Costa e Wagner D. Giglio. Entendem, esses autores, que o princípio da devolutividade, o dever do juiz de conhecer o direito e de aplicá-lo, e a desnecessidade de motivação nas remessas de ofício se consubstanciariam nos principais fundamentos.
Segundo exegese histórico-sistemática que faz Antonio Lamarca do art. 899 da CLT, a intenção do legislador foi facilitar ao máximo a interpretação do recurso, por isso tem a impressão “de que se deva conhecer do recurso desacompanhado de razões. Todavia, no geral há de negar-se-lhe provimento, de vez que o vencido não fornece ao tribunal ad quem os argumentos para obtenção da desejada reforma. Porém, realmente, não é o caso de se não se conhecer”(2).
3. A exigência de fundamentação e as conseqüências
Um estudo necessário, e importante, a ser feito, é se o caput do art. 899 da CLT, quando admite sejam interpostos os recursos por simples petição, foi recebido pela nova ordem constitucional vigente no país a partir de 05.10.88.
Existe pelo menos um julgado entendendo que não, dessa forma: “Recurso por simples petição. Inadmissibilidade. 1. A própria garantia constitucional de ampla defesa` (art. 5.º, LV, e parágrafo 1.º) impõe que o recorrente fundamente o recurso ordinário com suas razões de fato ou de direito, a fim de ensejar resguardo ao contraditório, pela outra parte, via contra-razões. 2. Assim, a norma da CLT (art. 899, caput) que admitia interposição de recurso por simples petição` está derrogada, por incompatibilidade (Lei de Introdução, art. 2.º, parágrafo 1.º), não tendo sido recebida pela nova ordem constitucional”(3).
A majoritária doutrina, que tem dentre seus expoentes Eduardo Gabriel Saad, Valentin Carrion, Wilson de Souza Campos Batalha, Júlio César Bebber e Christovão Piragibe Tostes Malta, confirma a necessidade do oferecimento das razões que fundamentam o recurso, a fim de que o Tribunal conheça os motivos de sua interposição, bem assim para que não se permita a máfia de recursos meramente protelatórios.
4. Posicionamento do E. TRT da 9.ª Região
O Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região, que exerce a jurisdição sobre o Estado do Paraná, já tem analisado, em muitas ocasiões, a necessidade de fundamentação recursal.
Recentemente, teve ocasião de manifestar-se pela exigência de dialeticidade recursal, cuja ementa do julgado bem exprime essa orientação: “RECURSO. DIALETICIDADE. NÃO CONHECIMENTO. A ausência de razões ou de pedido de nova decisão tem por conseqüência a emissão de juízo de admissibilidade negativo. É que vige, em matéria recursal, o princípio da dialeticidade, à semelhança do que se dá em primeiro grau. Assim, a parte tem o dever de expor ao Tribunal as razões de fato e de direito pelas quais entende que a decisão deve ser modificada. Só assim se instala o imprescindível contraditório que, além de possibilitar que a parte contrária se manifeste, fixa os limites da jurisdição em grau de recurso. A mera remissão a alegações anteriores não supre a exigência, até porque não são enfrentados os fundamentos da decisão recorrida. Agravo de petição conhecido apenas em parte”(4).
Julgados existem, também, no E. TRT da 9.ª Região não conhecendo ou negando provimento a parte do recurso por ausência de fundamentação. Como, por exemplo, quando é apresentado recurso remissivo relativamente às horas extras, dizendo-se “deve ser deferida a pretensão obreira às horas extraordinárias, inclusive no tocante à participação nas reuniões, eventos e cursos, em todo o período, conforme prolatado na inicial”(5).
Já em agravo de petição, não sendo delimitados matérias relativas a juros de mora, valores de contribuição e adicional de periculosidade, cingindo-se a parte a fazer referência a percentuais, não pode ser conhecido, quanto a esses itens, pois matérias quantificáveis, que implicam alteração do valor da execução, sujeitam-se aos requisitos do art. 897, § 1.º, da CLT(7).
Em decisão monocrática, perante a E. 2.ª T. do E. TRT da 9.ª Região, já se entendeu: “Recurso ordinário. Não conhecimento. Razões dissociadas da decisão recorrida. Se as razões tecidas em recurso dissociam-se do julgado recorrido, inviabilizado está o apelo. Cabe à parte deduzir fundamentos a rechaçar a tese do Juízo, dirigidos aos argumentos que contribuíram para seu convencimento. Logo, se acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva, extinguindo a ação trabalhista, a qual visava o reconhecimento do liame empregatício, inexistente o recurso que objetiva a responsabilidade solidária pelo crédito trabalhista, em face de sua condição de dono da obra. Recurso que não se conhece”(7).
Também quanto à existência de assinatura dos recursos, a Seção especializada do E. TRT da 9.ª Região sinalizou sua Orientação Jurisprudencial nº 38: “AGRAVO DE PETIÇÃO. CARIMBO NÃO PODE SUBSTITUIR ASSINATURA. Mero carimbo do nome e da assinatura não substitui o ato do próprio punho, único capaz de permitir a conferência da identidade do subscritor do recurso e, ainda, se a ele, de fato foram outorgados poderes pela parte para representá-la. A situação equivale a ausência de assinatura, impondo-se o não conhecimento do apelo, por apócrifo”. Precedente: AP 1873/02. Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther AC. 27.878/02. DJ/PR 06.12.02.
NOTAS
(1) Revista LTr. São Paulo: LTr, maio/02. p. 614-615.
(2) LAMARCA, Antonio. Processo do trabalho comentado – arts. 643 a 910 da CLT. São Paulo: RT, 1982. p. 661.
(3) Ac. un. da 3″T. do TRT da 1ª R. RO 6.534/90, Rel. Juiz Azulino Joaquim Andrade Filho, j. 31.3.93, DJ/RS 11.05.93, p. 181-2.
(4) TRT-PR-AP-01310/2003. Rel. Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu, j. em. 18.08.03, acórdão ainda não publicado.
(5) TRT-PR-RO-11.826/2002. Rel. Juíza Ana Carolina Zaina – julgado em 02.09.03.
(6) TRT-PR-AP-1301/2003. Rel. Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu, julgado em 18.08.03, acórdão ainda não publicado.
(7) RO-PR-6620/2003. 2ª T. Rel. juiz Luiz Eduardo Gunther. DJ de 12.08.03.
Luiz Eduardo Gunther
é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.