O racha do PT

Sentindo que o partido vinha “se adaptando demais a uma visão estreitamente administrativa e governamental, sem grandeza e sem ideais”, alguns intelectuais de velha relação com o Partido dos Trabalhadores abandonaram a estrela do PT momentos após a sentença de expulsão proferida contra a senadora Heloísa Helena e contra os deputados Luciana Genro, João Batista de Araújo e João Fontes – os radicais que ousaram continuar defendendo antigos pontos de vista da agremiação política. Tudo acabado para uns, vida nova para outros. O governo, entretanto, respira aliviado e usa o resultado como aviso prévio e definitivo: este será o caminho inexorável para qualquer dissidente que se atreva a tanto. Ninguém tem dúvidas mais.

O que aconteceu domingo no “templo da burguesia” (local da reunião do diretório nacional – um hotel chique de Brasília – nas palavras de Babá, o João Batista decapitado) não deixa dúvida de que “acabou o projeto do PT enquanto legenda de transformação social do País”. Palavra do ex-deputado Milton Temer que, assim descrente da doutrina que esposara com fé e devoção, já imagina uma fase de aproximação e, quem sabe, uma futura fusão do novo PT governista com o velho PSDB, hoje na oposição, mas nem tanto.

O racha exposto nas hostes do PT é histórico. Até o último momento houve quem acreditasse em vão noutra solução que não essa que vinha se arrastando desde o começo, com medo dos desdobramentos de um desfecho fatal já anunciado. A data escolhida para o corte das cabeças que não se curvaram à lógica do poder levou em conta o clima que envolve as festas de fim de ano. Logo depois vem Carnaval… e, entre pandeiros, cuícas e uma certa dose de irresponsabilidade, o País tem mais facilidade de esquecer as coisas.

O que intriga nisso tudo é o fato de os condenados estarem aparentemente com a razão dos fatos. Um deles – João Fontes – foi premiado com a expulsão em rito sumário por ter ousado, em suas críticas, desenterrar uma fita de vídeo, em cuja gravação um então presidente do PT chamado Lula da Silva chamava o então presidente da República José Sarney de ladrão e se declarava completamente contrário à reforma da Previdência. Com relação à Previdência, releva-se ante o já conhecido argumento mudancista. Mas, e quanto à acusação? Se não fora crime à época, seria agora? Ademais, se desenterrar o passado é perigoso, queimem-se os arquivos todos, que do PT inteiro ninguém sobreviveria à exumação.

Por essas e por outras, a sempre estridente senadora Heloísa Helena, que teve a defesa explícita do senador Eduardo Suplicy, disse entre soluços e lágrimas que não pedia desculpas nem queria perdão. Apenas não acreditava no que estava presenciando.

Feito o serviço sujo (ou limpo, dependendo do ponto de vista de cada um) o diretório nacional do partido trata agora de cuidar do futuro. Enquanto avaliza o balanço positivo encomendado pelo Planalto para festejar esse primeiro e pífio ano do governo de Lula, cobra uma fase de crescimento (o espetáculo que ainda não veio) e, com palavras mais delicadas e sem citar nomes, prega uma “ampla reforma gerencial” do Estado. Em outras palavras, coisa semelhante ao que, em seu anátema lançado contra figuras como o presidente do Banco Central, animava Helena.

Quieto no Alvorada, o presidente Lula nada disse sobre a expulsão. Provavelmente ele sabe, melhor que todos, que só o tempo é senhor e haverá de dizer, mais dia menos dia, quem está com a razão. Se sua tropa de choque em defesa dos votos de cabresto para manter o rumo por ele imaginado, ou os que gritavam a plenos pulmões durante o Gran Circus Inquisitorium que “Stalin não morreu/ Encarnou no Zé Dirceu”, referindo-se ao todo poderoso ministro-chefe da Casa Civil do atual governo, do qual todos os brasileiros esperam mais que dez milhões de novos empregos…

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