O que mudou com a nova Lei de Tóxicos – parte XXII – Das Penas Restritivas de Direito

Conforme já vimos, os delitos capitulados nos arts. 15, 16 e 17 da Lei 6.368/76, enquadram-se dentre os crimes considerados de pequeno potencial lesivo, cujas regras sancionatórias são outras.

Já para os delitos capitulados nos arts. 12, 13 e 14, haverá sanção corporal a ser cumprida, cuja matéria nos obriga a analisar a incidência ou não da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito.

Em outras oportunidades já nos manifestamos que com a nova redação dada ao Código Penal no capítulo que trata das penas restritivas de direito, pela Lei 9.714/98, para este fim não incidem as regras da Lei dos Crimes Hediondos, para os delitos de tráfico de entorpecentes e drogas afins.

Como já visto, a norma obrigava, em tese, o cumprimento integral da reprimenda corporal em regime fechado.

Nossa justificativa baseava-se praticamente em dois argumentos. O primeiro, no fato de essa alteração no Código Penal ser posterior a Lei dos Crimes Hediondos. O segundo, em razão da nossa jurisprudência admitir a aplicação do sursis, também para os crimes considerados hediondos. Portanto, não haveria vedação da aplicação das benesses contidas no Código Penal também para os crimes relacionados na lei de delitos hediondos, especialmente se considerarmos que a suspensão condicional da pena é direito público subjetivo do condenado, sendo aplicável a mesma regra em relação às restritivas, cuja posição não é pacífica.

Havendo o reconhecimento de que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito é de caráter subjetivo, tal qual o sursis, não se pode desprezar a necessidade de fundamentação da decisão que o concede ou o nega, sob pena de nulidade do julgamento.

Ainda que não se admita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, e benefício de caráter subjetivo do agente, pode-se ainda assim ser considerada indispensável a motivação do julgado que o nega ou concede, em atendimento ao preceito constitucional de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, ainda que se trate de crime de tráfico de entorpecentes, sob pena de nulidade da decisão.

A jurisprudência esboçou certa reação com a nova redação conferida à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, prevista no Código Penal, admitindo integralmente a aplicação dessa benesse legal em todos os delitos de tóxico, vindo posteriormente recuar dessa posição.

Na doutrina encontramos juristas, com fundamentos mais diversos, buscando justificar a aceitação, e também a rejeição da incidência da pena restritiva de direito também para os delitos de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Mesmo diante da rejeição da incidência dessa benesse legal aos delitos ora em debate, é possível encontrar algumas decisões dos nossos tribunais conferindo tratamento especial, aceitando a substituição da pena privativa de liberdade também a determinados casos de crime de tráfico de entorpecentes.

Isso nada mais é do que a aplicação da regra constitucional determinando que a lei regulará a individualização da pena (CF, art. 5.º, XLVI), enquanto o artigo 59 do Código Penal determina que o juiz estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre as cominadas, a quantidade, o regime inicial e a substituição da reprimenda corporal por outra espécie de sanção cabível.

Assim, verifica-se que, por via indireta, a jurisprudência, mesmo não aceitando a aplicação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes, admite que a lei dos crimes hediondos em determinados casos acaba sendo inadequada para reprimir a conduta do agente. O julgador que consegue enxergar essa diferença realmente está aplicando a sanção penal segundo entenda suficiente e necessária para prevenção e reprovação do crime.

Desta forma, desacorrenta-se das legislações que retiram o seu convencimento próprio quanto a esse aspecto, obrigando-o a fixar sanção penal diversa da que acredita ser suficiente à reprovação (prevenção e repressão) da conduta do agente infrator.

Com a entrada em vigor da nova Lei de Tóxicos, acreditamos que seja mais um motivo para aplicar as regras do Código Penal quanto à substituição da pena corporal por restritiva de direito. No caso de isso não ser possível, no mínimo, a lei ora em comentário possibilitou nova oportunidade de se rediscutir a hediondez da Lei dos Crimes Hediondos.

A vedação da incidência da Lei 9.714/98, fixada pela jurisprudência, antes da nova Lei de Tóxicos, não atinge os crimes tipificados nos arts. 13 e 14 da antiga Lei de Tóxicos, porque a Lei dos Crimes Hediondos, em relação a esta lei em regência, trata apenas do delito de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia em nível superior, pela PUC-PR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUC-PR, e autor de diversos artigos e livros, inclusive já na 2.ª edição o livro “Tóxicos” – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei n.º 10.409/02.”

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