Do Segundo Interrogatório
O interrogatório consubstancia-se no momento mais propício para o acusado realizar a sua autodefesa, podendo ali contrariar toda a acusação, aceitar ou rejeitar provas carreadas para os autos, seja quanto à forma ou ao conteúdo, enfim, expor sua própria versão, sem ter obrigação nem dever de dizer a verdade ou fornecer elementos de prova capazes de indicar a certeza dos fatos.
Em relação ao interrogatório tradicional regulado pelo Código de Processo Penal, na nova Lei Antitóxicos a única diferença é que, nos casos de crimes de tóxico, o juiz deve perguntar ao acusado quanto a sua condição de dependente físico ou psíquico de substância tóxica. No mais aplicam-se integralmente as regras da norma processual penal comum.
Nos termos do art. 185 do Código de Processo Penal, em qualquer tempo que o acusado comparecer perante a autoridade processante, seja em função de prisão, intimação ou espontaneamente, deverá ser qualificado e interrogado, ainda que tenha sido decretada à sua revelia.
Também o art. 196 do Código de Processo Penal determina que “a todo tempo, o juiz poderá proceder a novo interrogatório.” Portanto, um segundo interrogatório encontra respaldo na norma geral, não havendo, por outro lado, impedimento legal para esta providência.
Por força do disposto no art. 564, inc. III, da mesma norma instrumental, a falta de interrogatório do acusado presente gera nulidade absoluta, devendo por isso, sempre que comparecer em audiência, ser interrogado, mesmo que seja para valer-se do direito ao silêncio. A isso equivale a ciência da prisão do réu pelo juízo processante, mesmo que ela tenha curso fora da terra, ainda que em Comarca diversa do juízo do processo, outra Unidade da Federação, e até mesmo no exterior. Esse direito a ser interrogado vai até o momento do julgamento do processo em segunda instância.
O ato pode ser realizado no juízo processante ou através de precatória ou rogatória, ficando a escolha ao arbítrio do juízo processante, quando o réu residir em localidade diversa de sua jurisdição territorial. Assim, não cabe ao réu escolher o local onde queira ser interrogado e nem o juízo deprecado negar a realização do ato. O feito somente terá prosseguimento após o retorno da precatória ou rogatória devidamente cumprida.
Antes de iniciar o interrogatório do réu, deve o juiz informar o seu direito de ficar calado, em atendimento ao disposto no art. 5.º, inc. LXIII da Constituição Federal e art. 186, primeira parte, do Código de Processo Penal. Encontramos na doutrina posição orientando que a segunda parte deste dispositivo legal, a qual refere-se o alerta de que o silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa, foi revogada pela Constituição de 1988, a qual garantiu o direito do acusado ao silêncio, sem qualquer gravame. Por isso, não deve se aplicar qualquer ameaça ou alusão velada que possa coibir o acusado.
Diante dessa falta de sincronia entre a norma constitucional e instrumental penal, é aconselhável que o juiz apenas informe ao réu o seu direito de ficar calado, sem fazer menção às conseqüências dessa opção.
Esse direito ao silêncio não se refere às perguntas referidas no art. 187 do Código de Processo Penal, devendo por isso informar “o seu nome, naturalidade, estado, idade, filiação, residência, meios de vida ou profissão e lugar onde exerce a sua atividade e se sabe ler e escrever”, etc.
Não é direito público subjetivo do réu ser acompanhado por advogado durante o ato de interrogatório, e quando ele estiver presente não poderá intervir no depoimento e nem fazer reperguntas, podendo apenas fiscalizar os trâmites na realização da audiência, inclusive no que respeita à correta transcrição do depoimento do acusado, quando o ato não for realizado na forma tradicional. O mesmo ocorre em relação ao Ministério Público e assistente da acusação, quando houver.
Muitos juízes ao final do depoimento, oportunizam aos defensores presentes na audiência, fazerem reperguntas a fim de sanar possível omissão no relato do acusado que, segundo ao ver da defesa técnica, seja importante. Cremos que essa atitude é a mais aconselhável, pois, além de espelhar efetiva cordialidade e interesse do julgador na colheita da prova, demonstra respeito à defesa que se fez presente ao ato, oportunizando sua efetiva atuação nos interesses do réu.
Nessa oportunidade o acusado poderá indicar o nome do defensor que irá patrocinar a sua defesa, mesmo que ele não esteja presente, valendo esse ato como outorga de procuração ao causídico, nos termos do art. 266 do Código de Processo Penal.
No caso de réu menor de vinte e um anos, é indispensável a nomeação de curador, sob pena de nulidade. Na jurisprudência a posição é prevalente em conferir nulidade na falta de nomeação de curador para acusado menor, especialmente quando também não estiver presente o defensor. Há porém, posição exigindo que, para se declarar o vício, há necessidade da demonstração do prejuízo para a defesa, e que, no caso de estar ele acompanhado de defensor durante o interrogatório, ou quando o réu nega os fatos narrados na denúncia, não configura prejuízo, como conseqüência, não existe nulidade a ser reconhecida.
Há que se observar a enorme diferença que existe entre os direitos e prerrogativas do defensor e do curador. O defensor, como já visto, não pode intervir no interrogatório, enquanto o curador pode, inclusive alertando o depoente ou até corrigindo os termos do seu depoimento.
Por isso, não entendemos como suprida a falta de nomeação de curador pela simples presença de defensor, sem que ele tenha também sido nomeado para esse encargo, haja vista que as prerrogativas do curador são maiores que as da defesa técnica, salvo se a conclusão da sentença puder estar amparada em provas que indiferentemente da atuação do curador, não mudaria a situação do acusado, porque nesse caso não existe prejuízo para o réu.
Descumprimentos de alguma formalidade no ato de interrogatório, quando não trouxerem prejuízo às partes, não justificam a declaração de nulidade desse ato, e para que isso ocorra, é necessário que a irregularidade resulte em efetivo prejuízo às partes, e somente quem sofrer o prejuízo poderá alegá-la, devendo ainda argüi-las até as alegações finais, sob pena de preclusão, especialmente por cuidar-se de nulidade relativa.
O direito processual deve guardar uma lógica e a realização dos atos processuais durante a persecução criminal devem atender à utilidade/necessidade, desprezando os procedimentos inúteis.
Por isso, não vemos qualquer irregularidade no caso do juiz, ao realizar o segundo interrogatório perquerir ao acusado se ele mantém o depoimento prestado na fase de defesa preliminar ou pretende mudá-lo ou acrescentar algum fato. Assim, é possível que o segundo interrogatório seja apenas uma reiteração do primeiro, sem que isso gere nulidade ao processo.
Jorge Vicente Silva
é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUCPR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUCPR, e autor de diversos artigos e livros, inclusive já na 2ª edição o livro “Tóxicos” – Manual Prático – Respostas às dúvidas surgidas com a Lei n.º 10.409/02.