O que mudou com a nova Lei de tóxicos – parte XV

Classificação do Delito

A providência mais importante neste ato processual sem dúvida é a classificação do delito, pois, em função dela, será fixada a competência do juízo e principalmente porque, no caso de o indiciado encontrar-se preso, será mantido no cárcere ou colocado em liberdade. Isto porque, no caso dos delitos capitulados nos arts. 15 e 16 da Lei 6.368/76, a competência é dos Juizados Especiais Criminais, sendo que nestas hipóteses o réu não será mantido preso e nem lhe será exigida a prestação de fiança para responder ao processo solto. Já no caso dos delitos capitulados nos arts. 12 e 13 desta mesma lei, a competência será da Justiça Comum ou Federal (Federal, somente no caso de tráfico internacional), e o indiciado que estiver preso, assim teria, em tese, que permanecer para responder ao processo, sendo vedada a concessão de fiança e liberdade provisória (Lei 8.072/90, art. 2.º, II). Dizemos em tese porque com a nova Lei Antitóxicos é possível interpretar a liberdade provisória sem os gravames previstos na Lei dos Crimes Hediondos.

Veja-se que as conseqüências da classificação jurídica dada ao fato, por exemplo entre o crime previsto no citado art. 16 e no art. 12, são completamente diferentes e de enorme importância, tanto para o réu quanto para o processo.

Por isso, a exigência para que a autoridade policial justifique fundamentadamente a classificação do crime, indicando a quantidade e natureza da substância tóxica apreendida, relatando todas as circunstâncias envolvendo a ação delituosa, além da conduta, qualificação e antecedentes do indiciado.

Não é tarefa fácil a ser desenvolvida pela autoridade policial, pois podem os fatos e circunstâncias indicar incerteza. Por exemplo, para dar a classificação jurídica de porte para uso próprio e de porte para tráfico. Nesses casos, exige-se da autoridade a maior cautela, devendo ser meticulosa, expressando concretamente as razões que fizeram optar por esta ou aquela classificação.

No caso de não haverem elementos nos autos de inquérito para romper esta barreira de dúvida, a classificação jurídica deve ser aquela que for mais favorável ao indiciado, aplicando-se o princípio do in dúbio pro reo.

O juiz, ao receber o inquérito relatado, poderá discordar da classificação jurídica posta pela autoridade policial. No caso de o réu encontrar-se preso face à tipificação do crime, e o convencimento do juiz seja de classificar o ilícito dentre os delitos considerados de pequeno potencial lesivo, deverá de imediato relaxar a prisão, e somente após ouvir o Ministério Público.

Cuidando-se de ato nulo (classificação jurídica errada), o juiz deverá declará-lo até mesmo de ofício e sem ouvir antes o Ministério Público, especialmente no caso ora em comento onde o indiciado na hipótese aqui lançada estará sofrendo constrangimento ilegal, sendo possível inclusive a concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 647 do Código de Processo Penal. No caso de o Ministério Público discordar dessa nova classificação jurídica com conseqüente soltura do acusado, terá em seu favor o recurso em sentido estrito para modificar a decisão do juiz.

Também no caso de a autoridade policial lançar classificação jurídica de crime menos grave (por exemplo porte para uso), e o juiz entender que se cuida de delito mais grave (por exemplo, tráfico de entorpecente), poderá antes ou após ouvir o Ministério Público decretar a prisão preventiva, desde que presentes os requisitos relacionados no art. 312 do Código de Processo Penal.

Portanto, não é possível simplesmente restabelecer a prisão em flagrante quando o réu tiver sido colocado em liberdade nos termos do art. 69 da Lei 9.099/95 (lavratura de termo circunstanciado ao invés de auto de prisão em flagrante), porque, apesar de presentes os requisitos da prisão em flagrante, nos moldes previstos no art. 302 do Código de Processo Penal, não houve a formalização deste ato, com isso deixou de existir a formalidade legal da prisão em flagrante, indispensável nesta hipótese para que o indiciado pudesse ser preso.

Cabe aqui também uma crítica tanto da lei antiga quanto da nova porque não dão a devida atenção para a classificação jurídica no momento da prisão. Isto é, não exigem fundamentação para classificação do crime no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante ou do termo circunstanciado, conforme for o caso. Neste ato, a tipificação do crime fica totalmente vaga, verificando-se na prática, que é lançada apenas na nota de culpa a incidência penal quando há a lavratura de auto de prisão em flagrante.

A lei não determina nenhuma justificativa, e a autoridade policial não indica os motivos que levaram a esta ou àquela classificação jurídica. Cremos que, apesar de não haver obrigação legal de motivar a tipificação do ilícito, especialmente quando o indiciado tiver que ser mantido preso justamente em função dessa incidência penal, deverá a autoridade policial fundamentar a classificação dada ao ilícito penal nos moldes previstos no art. 30 da nova Lei Antitóxicos, também no momento da comunicação da prisão em flagrante.

Esta é uma providência indispensável a fim de dar atendimento aos princípios constitucional do contraditório e da ampla defesa, porque somente a motivação da classificação do delito atribuído ao acusado possibilitará que possa a defesa discutir possível ilegalidade ou equivocada nessa tipificação, e através de argumentos jurídicos em recurso próprio demonstrar a necessidade de sua reforma.

Não é possível admitir a existência de decisão implícita, e ainda com maior razão quando ela resultar em privação da liberdade em acusação ainda não transitada em julgado.

Se nem mesmo a autoridade judiciária pode decidir sem motivação sobre questões que impliquem em privação da liberdade, com maior razão a autoridade policial poderá assim proceder sem indicar os fundamentos de sua conclusão, sob pena de gerar insegurança no sistema legal vigente.

Feitas estas considerações concluímos que toda tipificação de delito realizada pela autoridade policial, especialmente quando impor de imediato privação à liberdade do acusado, deve necessariamente ser motivada, inclusive quando não se tratar de delito de tóxico.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior, pela PUCPR e especialista em Direito Processual Penal, também pela PUC/PR, e autor de diversos artigos e livros, inclusive já na 2.ª edição o Livro “Tóxicos” – Manual Prático -Respostas às dúvidas surgidas com a Lei nº 10.409/02.

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