O que comemorar?

Do latim pater, a palavra pai designava originalmente toda pessoa que dava origem a outro ser. O Direito Romano, base de nosso ordenamento civil, conferia ao pai o título de paterfamiliae, o cidadão romano chefe de família. Já definiam os romanos que “is est pater quem justae nuptiae demonstrant” (o pai legítimo é aquele que o matrimônio como tal indica). E nessa condição, todos os seus descendentes a ele se vinculavam sem poder de oposição, onde se incluía a própria esposa.

Durante todo o século XX convivemos no Brasil com o pátrio poder, onde todas as decisões da família eram tomadas apenas pelo homem da casa, tendo a esposa apenas participação colaborativa, mas não decisiva. Apenas com o novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, substituiu-se essa expressão (diga-se ultrapassada) para poder familiar, onde marido e mulher, juntos, deliberam consensualmente sobre os destinos de uma família.

Em sentido jurídico, pai é o ascendente masculino de primeiro grau. Eis, portanto, a definição legal. Mas a palavra pai não se limita à letra da lei e surge de formas variadas em nosso dia-a-dia. O Dicionário Houaiss aponta com precisão um sem-número de variáveis. É o “pai da pátria” (defensor de um país), “pai da criança” (autor de uma idéia), “pai das queixas” (delegado de polícia), “pai Gonçalo” (marido sem iniciativa, dominado pela mulher), “pai mané” (indivíduo ingênuo), “pai dos burros” (dicionário) e assim por diante. Eis aqui a definição popular.

Da mesma raiz latina encontramos a palavra paternitas, mostrando a qualidade ou o fato de ser pai, designando o liame jurídico que une pai e filho. E assim fiz minha enquete caseira e pedi aos meus filhos que definissem a palavra paternidade. Surpreendido com uma pergunta tão inusitada, meu filho de 13 anos disse: “O direito do pai ter a guarda do filho”. Minha filha de 11 anos disse: “É o que o pai passa para o filho”. E meu caçula de 3 anos, bem, confesso que não insisti com ele ante o olhar entediado daquele questionamento.

Com as definições jurídica, popular e familiar, concluo que pai tem, sobretudo, forte conotação de hierarquia, de poder, de gestão. Neste Dia dos Pais, em que o ego masculino fica ainda mais comprometido, uma autocrítica é sempre bem-vinda, a começar pela readequação da expressão poder familiar. O Código Civil, que em seu artigo 1.630 substituiu a expressão pátrio poder por poder familiar, deveria ter disposto, em substituição, a expressão pátrio dever ou, sendo fiel ao novo texto legal, dever familiar. A paternidade não institui direitos sobre os filhos, mas sim deveres para com os mesmos.

O artigo 1.634 do Código Civil é preciso ao determinar aos pais a garantia da criação e educação de seus filhos. E isso não se dá apenas no sustento material ou alimentar, mas também e especialmente no exemplo moral, de forma que a geração vindoura tenha corretamente moldado seu caráter. E ao contrário das obrigações conceituais, onde a contraprestação desse dever familiar se dá de forma pecuniária (custeio da educação, alimentação, vestuário, etc.), o exemplo moral requer comprometimento, renúncia e vocação. Não se pode exigir de outras pessoas atitudes que nós mesmos não adotamos, regra esta que seguramente se aplica de pai para filho.

Neste dia 10 de agosto festejamos o Dia dos Pais. Não se pode defini-lo como uma data do calendário civil. Estas têm dia certo e um caráter público institucional, como 21 de abril ou 7 de setembro. O Dia dos Pais também não é uma data religiosa, o que dispensa maiores justificativas. Portanto, deveríamos concluir ser um dia meramente comercial, cujo ápice ocorre na entrega dos tradicionais presentes. E assim será apenas se o paterfamiliae deixar ser.

Mas esta data poderá ser vista de outra forma. Porque da palavra paternidade vem a raiz do adjetivo “paterno” que, outra vez recorrendo ao mestre Houaiss, significa “que lembra o amor de pai; carinhoso, afetuoso, paternal”. Ou seja, a maior gratificação do Dia dos Pais não é receber um presente do filho, mas em oferecer um carinho para ele.

Luiz Kignel é membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (kignel@pompeulongo.adv.br)

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