O protesto da PF

EDITORIAL

 

 

Atropelado pelo recrudescimento das atividades do crime organizado em todo o País, o governo anunciou algumas medidas para, pelo menos, não ser acusado de ficar parado. O presidente da República em pessoa visitou o prédio da Prefeitura Municipal do Rio, crivado por uma saraivada sem precedentes de balas e, diante das câmaras, repetiu o que vem dizendo há já algum tempo: os comandantes do mal passaram de todos os limites suportáveis e imagináveis. É preciso agir. E, dentre as medidas estudadas no afogadilho da crise, está a criação de seis mil cargos para o ramo fardado da Polícia Federal, com a incumbência especial de patrulhar fronteiras por onde entram armas, munições, drogas e outras coisas ruins.

Quando anunciou a contratação, o então ministro Miguel Reale Júnior, da Justiça, a quem está subordinada a Polícia Federal, dizia que os novos guardiões da ordem e da lei seriam policiais de nível intermediário, destinados a reforçar as superintendências no combate ao crime. Ele se referia, principalmente ao Rio de Janeiro e Espírito Santo, onde atuam forças-tarefas do governo federal. Estas, entretanto, têm competência para investigar apenas crimes federais. Os estaduais e aqueles municipais (bom Deus, como se bandidos respeitassem essa hierarquia!) escapam da PF e devem ser deslindados por polícias menores…

No decorrer da semana que passou, sete mil funcionários da mesma PF cruzaram os braços durante duas horas em todo o País em sinal de protesto organizado contra a decisão do patrão-governo de criar os seis mil cargos fardados. Os policiais de plantão querem que essas vagas sejam preenchidas com funcionários administrativos, agentes e delegados para investigação. Para o trabalho de patrulhamento, dizem eles, existe a Polícia Militar.

No aceso do protesto, delegados e lideranças policiais deitaram falação. Disseram, por exemplo, que o que a PF está precisando – e urgente – é de gente capacitada para combater os crimes de colarinho branco. Nossa polícia é despreparada e pouco inteligente. A corporação, para ser eficiente, carece, assim, de policiais-contadores, economistas, administradores, além de advogados e outros técnicos mais. Sem isso, perderá sempre da inteligência preparada a serviço do mal. Mas advertiram também que milagres, nem que o governo queira, são impossíveis: as escolas existentes teriam condições de preparar, no máximo, 800 homens por ano. Portanto, a PF deveria ter sido autorizada a formar mil homens a cada ano no decorrer de todo o governo de Fernando Henrique Cardoso se hoje quisesse ter um efetivo preparado e à altura dos desafios que enfrenta.

Não há dúvidas que o protesto da PF é válido. Coloca elementos novos numa velha discussão, que tem origem nas debilidades da fiscalização, parte preventiva do remédio contra a organização do crime. Mas é forçoso admitir, também, que o País não pode ficar a mercê dos interesses de uma corporação, por mais bem intencionada que seja. Já bastam as departamentalizações existentes, com as Polícias Militar e Civil (sem contar as municipais) em crônico jogo de escaramuças acerca de suas competências e atribuições. De sua parte, o governo precisa saber exatamente o que quer: se fiscaliza as fronteiras, o pessoal de colarinho branco, ou se socorre morros cariocas. Ou se faz isso tudo de uma vez, como deve ser feito, sem hierarquizar o crime cometido, que a lei é uma só. Enquanto isso não ocorrer, continuaremos a pagar a conta para ter a certeza de que perderemos a aposta.

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