O estudo do direito comparado é cada vez mais necessário para o aperfeiçoamento dos institutos, principalmente no direito processual que gira em torno de técnicas para o aperfeiçoamento da prestação da tutela jurisdicional.Na elaboração do processo de conhecimento do Código de 1973, serviram-lhe de paradigmas os Códigos da Áustria, da Alemanha e de Portugal, bem como os trabalhos preparatórios de revisão legislativa feitos na Itália(1).
No projeto do novo Código cria-se com inspiração no direito alemão o incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta, e no sistema italiano e francês a estabilização de tutela, que permite a manutenção da eficácia da medida de urgência, ou antecipatória de tutela, até que seja eventualmente impugnada pela parte contrária(2).
Porém podemos acrescentar uma colaboração que vem do Código de Processo Civil da União, argentino, no que diz respeito à limitação dos recursos. A maior crítica que se faz ao Poder Judiciário é a morosidade processual e essa decorre em grande parte dos recursos.
Muito se discute se os recursos, ou o duplo grau de jurisdição, são ou não uma garantia constitucional. Estou entre aqueles que entendem que a resposta é negativa, admitindo, portanto, a chamada instância única para determinados casos onde o risco de um julgamento equivocado pode ser assumido sem que isso importe em risco de grave lesão.
Já demos um importante passo nesse sentido ao criarmos os juizados especiais, onde os recursos são julgados por juízes de primeiro grau, ou seja, tudo deve terminar na primeira instância.
Destaque-se ainda a possibilidade de julgamento imediato da causa, antes mesmo da citação, previsto no art. 285-A do nosso CPC, com a inadmissibilidade de apelação nas hipóteses contidas no º 1.º do art. 518 do citado diploma (súmulas impeditivas de recurso).
A instância única já se mostra presente no art. 34 da Lei 6.830, que prevê apenas os recursos de embargos infringentes e de declaração perante o mesmo juízo que proferiu a sentença.
A Constituição Federal ao tratar do devido processo legal procedimental assegura em seu art. 5.º, LV, o contraditório e ampla defesa, “com os meios e recursos a ela inerentes”, ou seja, inerentes a ampla defesa.
A ampla defesa, entretanto, não é uma garantia absoluta, mas relativa, tanto assim é que o art. 130 do atual Código de Processo Civil autoriza o juiz a indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Fazendo uma interpretação sistemática da garantia da ampla defesa com a do prazo razoável, esta inserida no texto constitucional (art. 5.º, LXXVIII) pela Emenda Constitucional n. 45, pode-se concluir que em nome do princípio da efetividade, ou seja, da prestação jurisdicional tempestiva, que se extrai das dobras do inciso XXXV do citado artigo da Carta Magna, o princípio do duplo grau de jurisdição é um princípio infraconstitucional, ou seja, os recursos judiciais devem ser aqueles previstos em lei, ou em outras palavras, nada impede que em determinado procedimento judicial, em nome da celeridade processual e da garantia do prazo razoável, não haja previsão de recurso.
A busca da segurança jurídica, que é o principal objetivo do duplo grau de jurisdição, pode ser relativizada em determinados casos, onde o risco de grave lesão é reduzido.
O Pacto de São José da Costa Rica em seu art. 8.º, 2, h, só exige a observância do duplo grau de jurisdição em processo penal, o que, em outras palavras, significa dizer que esse princípio não se aplica necessariamente ao processo civil.
O Código Procesal Civil y Comercial de La Nación, argentino, em seu art. 242, com nova redação dada pela Lei 26.536, de 25 de novembro de 2009, prevê que são inapeláveis as sentenças definitivas e as demais resolu&cce,dil;ões, qualquer que seja sua natureza, que se ditem em processos em que o montante questionado seja inferior a vinte mil pesos (algo em torno de R$10.000,00).
Essa disposição não se aplica a processos de alimentos e nos que se pretenda o despejo de imóveis ou naqueles onde se discute a aplicação de sanções processuais.
Se algo semelhante fosse inserido no nosso novo Código de Processo Civil, prestigiando o juiz de primeiro grau, grande avanço haveria para se atender os princípios do prazo razoável e da celeridade processual.
Outra alternativa seria, em tais casos, admitir-se o recurso de apelação apenas quando a sentença estivesse em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal , do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
É verdade que isso só não basta, porque em muitos casos a demora já é excessiva em primeiro grau, onde deve ocorrer urgentemente uma reforma de gestão, pois, em média, pelo que se constata examinando diariamente diversos autos, o processo fica na mão do juiz em torno de 7% do tempo de duração do processo.
Ainda deve ser dada especial atenção ao Código de Divisão e Organização Judiciária, pois como sempre afirmou Egas Moniz de Aragão em suas palestras quando tratava do tema, mais do que um bom Código de Processo Civil o que precisamos é de um bom Código de Divisão e Organização Judiciária.
Aliás, com a distribuição desproporcional dos processos, que é facilmente constatada, geradora de uma “desorganização judiciária”, ofende-se ao comando do art. 93, XIII da Constituição Federal.
Notas:
(1) Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, Capítulo II, 3, segundo parágrafo.
(2) Brasil. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Brasília: Senado Federal, Presidência,2010, Exposição de Motivos, pp. 23 e 31.
Jorge de Oliveira Vargas é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Mestre e Doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná, professor de direito constitucional na Emap Curitiba e Opet e de processo civil na UTP (pesquisador) e na Unibrasil.