Dando prosseguimento ao tema relativo à aplicação do princípio da proporcionalidade aos dispositivos constantes da Lei 11.101/05 [que trata da falência e da recuperação de entidades], verifica-se que, a fim de instruir pedido de falência por impontualidade do devedor [art. 94, inc. I], caberá ao legitimado instruí-lo com os títulos executivos, acompanhados dos instrumentos de protesto respectivos, para fins falimentares, e nos termos da legislação específica. Questiona-se: é razoável tal exigência relativa à necessidade da junta de instrumento de protesto, dito especial, para fins de requerimento de falência? Crê-se que não. A exigência de juntada do instrumento de protesto específico a fim de instruir o pedido de falência se mostra um total retrocesso, que vai de encontro às decisões inclusive proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça. Primeiramente, a necessidade de protesto especial já constava do ab-rogado Dec.-Lei 7.661/45 [art. 10], e agora o legislador novamente fez constar tal determinação no novo texto normativo. Primeiramente, não se questiona, evidentemente, a necessidade de protesto, até mesmo diante das repercussões [nefastas em relação ao devedor] que um pedido de falência pode gerar. Não. Sabe-se que o protesto é ato solene, formal, e que tem como função, dentre outras, a de tornar público que o devedor, procurador por seu credor, deixou de satisfazer a tempo e modo corretos a obrigação livremente pactuada. O protesto para fins falimentares constará em livro próprio existente no cartório, e, desde a intimação, terá ciência o devedor que o interesse do credor é ingressar com o pedido de falência. A questão relativa à necessidade [ou não] da intimação pessoal do devedor aqui não será tratada. Sabe-se que o Superior Tribunal de Justiça mitigou a interpretação do artigo 10 do Dec.-Lei 7.661/45, no sentido de que o protesto comum também serve para embasar pedido de falência, a exemplo do REsp. n.º 211039/RS, rel. Min. Carlos A. Menezes Direito, 3.ª Turma, julg. 18/9/2003. Ora, a fim de estancar pedidos de falência de cunho meramente especulativo, de cobrança, a nova lei estabeleceu importantes mecanismos [esses sim] indispensáveis, tais como a exigência de a obrigação ultrapasse a casa de 40 salários-mínimos na data do pleito, por exemplo. Assim, não será, doravante, qualquer título executivo que poderá dar ensejo ao pleito, considerando-se o mínimo valor exigido pela lei. Ora, o devedor que permite a fluência de dívidas cujo montante ultrapassa razoável valor, tem ciência, sabe que poderá sofrer as conseqüências do não cumprimento da obrigação, inclusive ser réu em processo falimentar. Então, deixa de ser razoável o comando segundo o qual é imperiosa a juntada de instrumento de protesto especial quando do ingresso do pedido de falência em juízo. Ademais, frise-se que o espírito da lei é oportunizar ao devedor em dificuldades a tentativa de soerguimento, mediante uso dos mecanismos próprios, ficando a falência, a retirada do mercado, como possibilidade última. Caso o devedor esteja em crise, cumprir-lhe-á valer-se dos dispositivos legais, a fim de evitar sua retirada do mercado. Para tanto, só ele, o devedor, tem inequívoca ciência de qual é o seu estado verdadeiro, competindo-lhe perceber quando o sinal de alerta é ligado. De modo que, estabelecido pela lei um montante mínimo constante de título executivo, e ciente o devedor que este mínimo na verdade representa um significativo valor, é desproporcional a exigência de protesto especial para fins falimentares.
Outro dispositivo que merece relevo, e que tem sua inconstitucionalidade mais do que patente, é o art. 192, parágrafo primeiro. Em linhas gerais, veda a concessão de concordata suspensiva nos processos falimentares em curso, podendo ser promovida a alienação imediata de bens, assim que concluída a arrecadação, independentemente da formação de quadro geral de credores e da conclusão de inquérito judicial. A inconstitucionalidade, pois, se mostra flagrante. O artigo fere de morte os princípios básicos constitucionais e inexiste qualquer proporcionalidade de tratamento, considerando-se uma entidade que se encontra sob o processo falimentar com caminho pelo Dec.-Lei 7.661/45, e as formas de reorganização judicial apresentadas pela Lei 11.101/05. Insiste-se no tema porque tem relevo acentuado a absoluta falta de consistência do artigo legal em análise. Primeiramente, se uma entidade se encontra em processo falimentar regido pela lei de 1945, e reúne ela todas as condições legais mínimas exigidas para que se lhe conceda o favor da concordata suspensiva, o que, grosso modo, também é uma forma legítima e legal de soerguimento, de reorganização, não se há de lhe impedir a formulação do pleito próprio, e o deferimento por parte do juiz condutor do feito. Sabe-se que a suspensiva é uma das formas de ?concordata? e visa a suspensão imediata do processo falimentar, concedendo ao devedor prazo para quitação das dívidas sujeitas ao âmbito do feito, ou até mesmo o pagamento integral do débito, de forma imediata. Em assim ocorrendo, ou seja, concedendo-se a suspensiva, não se pode falar em soerguimento da empresa? Claro que sim! Caso o devedor cumpra a obrigação assumida judicialmente, caberá ao juiz julgar cumprida a concordata, o que significa o encerramento do processo falimentar. Ora, esta não é mais uma forma de tentativa de superação da crise, tal como consta com todas as letras no artigo 47? Crê-se, firmemente, que sim. Muito embora o novel texto normativo não trate da concordata suspensiva, é de todo evidente que o tratamento é de ser diferente para a empresa cujo processo tramita arrimado pela lei de 1945, de modo que se lhe pode sim conceder o favor legal, intitulado concordata suspensiva. E o que dizer da alienação imediata de patrimônio arrecadado (lembre-se que aqui se está a falar da lei de 1945, que tem outro sistema), independentemente da formação de quadro geral de credores e da conclusão de inquérito judicial? Mais uma deslizada do legislador, com efeito. Primeiro, porque os bens da massa falida podem ser alienados em qualquer momento, dada a peculiaridade do caso concreto, sendo desnecessário aguardar a fase do artigo 114 do Dec.-Lei 7.661/45. Em segundo lugar, imprimir rito outro que não o estampado por tal decreto-lei é deixar de lado o direito de tratamento igualitário, e olvidar que tal diploma normativo ainda vige para os casos que tiveram início antes da Lei 11.101/05. Em outras palavras, mas com igual alcance, as falências iniciadas antes de junho de 2005, e que também tiveram a decretação da falência precedente a tal mês, evidentemente prosseguirão com base na lei velha, inclusive com a abertura eventual de inquérito judicial; direito conferido ao devedor de pleitear a concordata suspensiva etc., de modo que cabe ao exegeta abrir bem os olhos ao examinar os dispositivos do novel texto normativo.
Carlos Roberto Claro é professor assistente de Direito Societário e Falimentar das Faculdades Integradas Curitiba; mestrando em Direito Empresarial pela mesma instituição de ensino e membro do American Bankruptcy Institute (USA)