O princípio da proporcionalidade e a lei 11.101/05 – I

Considerando o novo texto que trata da recuperação [em suas modalidades] e da falência da empresa/empresário [e por que não das sociedades simples?], em quais hipóteses normativas poder-se-ia invocar o princípio da proporcionalidade?

O princípio(1) da proporcionalidade [ou da razoabilidade, para alguns juristas], foi, efetivamente, consagrado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, quer pela leitura do artigo 5.º, parágrafo segundo, quer pela estreita ligação com o princípio do devido processo legal substantivo, oriundo da legislação norte-americana [?due process of law?]. No que tange ao princípio, verifica-se que o eminente Min. Eros Roberto Grau entende tratar-se, na verdade, de postulado normativo aplicativo, e, arrimando-se em Alexy, assevera que a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não são ponderadas em relação a algo diferente.(2) Indo adiante, explica que proporcionalidade e razoabilidade são postulados normativos da interpretação/aplicação do direito um novo nome dado aos velhos e desprezados cânones da interpretação -, e não princípios(3). Seja como for postulado normativo de interpretação ou princípio -, o fato é que a proporcionalidade é de ser observada quando se tem em mãos a Lei 11.101/05. De fato, a razoabilidade [ou proporcionalidade] é mais um importante ?princípio? que deverá conferir sustentação ao novo texto normativo, que trata da reorganização e da falência. Com efeito, a prudência, o equilíbrio e o bom senso devem ser considerados quando do trato dos processos regidos pelo novel texto, ora em comento. Em vários dispositivos é possível invocar o princípio em exame, a começar pela própria inadmissão da sociedade simples no âmbito do novo texto.

O artigo 1.º já começa por fazer as distinções necessárias: para a lei, só interessa o empresário e a sociedade empresária, ficando excluída a sociedade simples. Um primeiro parêntesis é de aqui ser feito. Não se está a defender, rigorosamente, a sociedade simples, que a bem da verdade deveria ter uma amplitude bem menor do que aquela concedida pelo Código Civil. Não. O que se está a verificar é o tratamento diferenciado entre entidades que rigorosamente, para fins de remédio legal, não têm qualquer papel distintivo. Em outras palavras, a sociedade simples tem o mesmo direto de pedir a tutela estatal, no que tange ao processo de reorganização, tal como emprestou o legislador ordinário à sociedade empresária. Então, com base no princípio da proporcionalidade [ou critério de razoabilidade], certamente que a sociedade simples pode requerer a benesse legal, muito embora o artigo 1.º expresse o contrário. Lembre-se, pois, que acima da lei está a Carta da Federal de 1988. Evidentemente que só alguns artigos serão aqui referenciados, dado o espaço, e sem olvidar que muitos outros poderiam ser objeto de análise.

Seguindo estritamente a seqüência legal, nota-se que o art. 6.º, § 4.º estabelece que, determinado o processamento da recuperação judicial, haverá fôlego [apenas em tese] ao recuperando, pelo prazo de 180 dias a contar da decisão. Em tal lapso temporal haverá a suspensão das demandas ajuizadas em face do devedor recuperando, e depois de passados esses 180 dias os interessados poderão ingressar com medidas cabíveis ou dar prosseguimento às demandas. Mas, o Fisco fica fora disso, ou seja, pode livremente continuar com a execução fiscal dentro durante o prazo de suspensão. Por outro lado, nem mesmo estará sujeito aos efeitos do favor legal (art. 49) aquele denominado de ?reivindicante?, o qual não se confunde com credor, podendo pedir a restituição de valores entregues ao devedor, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, tudo conforme interpretação do artigo 49, § 4.º e 86, inciso II, da Lei 11.101/05. Há proporcionalidade em suspender uma execução trabalhista e conceder o direito a uma instituição financeira de pedir a restituição de valores em virtude de contrato assinado com o devedor? Ao que tudo indica, houve tratamento desfavorável ao credor trabalhista. O princípio da proporcionalidade foi olvidado em vários momentos, é tal asserto ocorre, invariavelmente, se analisada a lei com os cuidados mínimos necessários.

O comitê de credores, que desempenhará papel relevante na falência e na recuperação judicial, no tocante a sua formação, não terá a participação do Estado. Basta ler o artigo 26. Ora, se é certo que o credor fiscal não participa do processo de reorganização, podendo executar o devedor, e em tese deixaria de ter interesses direto nos rumos do processo, não menos certo é que pode o feito ser convolado em falência, e aí sim haverá interesse direto e tal credor. O que se quer dizer, enfim, é que o fisco não delibera a respeito dos rumos da empresa, e pode ser prejudicado com eventual falência. O mesmo é dito em relação à assembléia de credores, que desconsidera a possibilidade de participação do fisco, por interpretação do artigo 41. Então, não há razoabilidade em relação ao fisco, quer quando se trata de assembléia geral de credores, quer quando se trata de comitê.

E o que dizer, então, do peso do voto dos credores reunidos em assembléia? Bem, nota-se, pela interpretação do artigo 41, que mais uma vez vota mais e melhor quem tem mais poder, ou seja, os credores com garantia real. Com efeito, os trabalhistas não foram tratados com a razoabilidade necessária, pois somente votam numa classe de credores (inc. I do art. 41), enquanto que os titulares de créditos com garantia real votam na classe II, até o limite do valor do bem gravado e com a classe III pelo valor remanescente. Então, inexiste proporcionalidade, quer pesa ausência do fisco, quer pelo direito de voto em mais de uma classe, concedido a determinado credor, que não é o trabalhista.

Outro dispositivo totalmente solto e sem qualquer sentido na lei é o do art. 57. Estabelece que, num determinado momento processual, caberá ao devedor apresentar certidões negativas de débitos tributários. Evidentemente que há decisões judiciais afastando tal comando legal, pois não é razoável. Hodiernamente, qual a entidade que pede a tutela estatal, via reorganização judicial, e que tem em mãos as tais certidões negativas? Ora, se existe crise [numa ou mais das formas conhecidas], é porque a entidade realmente não tem condições se manter no mercado concorrente, e há dificuldades para honrar as dívidas assumidas, de modo que há necessidade de pedir a tutela estatal. Noutro lugar e em outro momento falar-se-á um pouco mais a respeito da proporcionalidade e a nova lei falimentar.

Notas:

(1) Conforme ensinamento de Eros Grau, os princípios são dotados de caráter deontológico, enquanto que os valores têm caráter teleológico, de acordo com O direito posto e o direito pressuposto, 3.ª ed., São Paulo:Malheiros Editores, 2000.

(2) Tudo de acordo com Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito. 3.ª edição. São Paulo:Malheiros Editores 2005, pp. 183/184.

(3) Op. cit., p. 186.

Carlos Roberto Claro é professor assistente de Direito societário e falimentar das Faculdades Integradas Curitiba, mestrando em direito pela mesma instituição de ensino; especialista em direito empresarial e membro do ?American Bankruptcy Institute?.

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