Uma discussão que toma cada vez mais espaço entre os juristas é a desnecessidade de reação penal aos atos infracionais de bagatela (aqueles cujo efeito é de pequena ou insignificante lesão, como furtos leves) praticados por menores de 18 anos.

A criminologia atual não aceita mais a idéia de que o criminoso é um homem cujas condutas desviadas derivam de uma patologia que o faz diferente da sociedade saudável. Seguindo a mesma tendência, é rejeitada a concepção de que o adolescente infrator possui desvios em relação a seus iguais.

Pesquisas internacionais revelam que todos os jovens cometem ao menos um ato infracional ao longo de sua pré-maturidade e 2/3 dessas infra-ções penais se limitam a delitos de bagatela. Segundo a teoria da compensação/inferioridade, do psicanalista contemporâneo de Freud, Alfred Adler, toda criança necessariamente carrega consigo um sentimento de inferioridade originado pelas menores dimensões físicas e menor desenvolvimento intelectual que possui em relação aos adultos, somados com a obediência e dependência a que está sujeito aos mesmos. Isso acarretará no desenvolvimento de um sentimento compensador, traduzido na busca pelo poder, que a motivará na sua vida adulta. Seguindo este processo, é exatamente na fase da adolescência que o indivíduo sentirá pela primeira vez que é possuidor ativo do seu próprio destino e isso se acompanha de uma sensação de insegurança, seja ela inconsciente ou não, e da necessidade de auto-afirmação. Explica Flávio Cruz Prates que algumas das atitudes consideradas inexplicáveis (injustificáveis) pelos adultos, como o desafio às figuras que representam autoridade, são formas usuais utilizadas pelo jovem para se sentir seguro e forte. Vindo de uma progressiva aquisição de liberdade, o adolescente utilizará comportamentos experimentais que ocasionalmente podem conflitar diretamente com as normas legais. Esses comportamentos são os caminhos até a maturidade psicológica, constituída pela capacidade de emergir do apoio e da regulação ambientais para um auto-apoio e uma auto-regulação.

Dizia Durkheim que certas cotas de criminalidade se identificam com uma sociedade sã, pois se nela não houvesse condutas irregulares, haveria de ser ela primitiva, monolítica e estática. Segundo ele o crime é um fenômeno cultural com função integradora e inovadora. A evolução social está intimamente ligada à superação de situações de dificuldade que necessitem da criação de soluções inéditas. Essas situações, para serem imprevisíveis, precisam estar em desacordo com as expectativas sociais. Se todas as hipóteses de irregularidades fossem abafadas, teríamos uma sociedade sem espaço para individualizações, o que sufocaria seus habitantes. Aproximamo-nos, conseqüentemente, da teoria da necessidade do desvio, que entende essas condutas como naturais entre sujeitos com condições existenciais adversas.

O ilustre criminalista Juarez Cirino dos Santos sugere a radical despenalização judicial destas infrações, enquanto não há a descriminalização das mesmas, já que os efeitos das sanções sócio-educativas de privação de liberdade(internação) têm sido extremamente danosos e prejudiciais aos jovens, tendo eficácia invertida. A criminalização primária precede a secundária e dá origem às carreiras criminosas. “Quanto maior a reação repressiva, maior a probabilidade de reincidência” indica o jurista. Verifica-se também que a privação de liberdade de adolescentes é mais severa do que a de adultos, pois por qualquer infração penal atribuível aos imputáveis, o menor pode estar sujeito a três anos de internação, sendo muito menos freqüente regalias como saídas. O jovem, quando já estigmatizado pelo rótulo do “castigo”, torna-se protagonista de uma expectativa de criminalidade, perante a sociedade, na vida adulta. Pesquisas feitas entre adolescentes internados apontam que uma significativa parcela possui não somente uma baixíssima auto-estima, como também uma grande dificuldade em falar sobre suas pretensões de vida.

Sendo a sanção penal a mais agressiva das reações legais, e em especial a privação de liberdade, para que ela venha a ser requisitada deve haver uma lesão a um bem jurídico de mesmo valor ou superior, pois a retribuição deve ser proporcional ao delito. É imprescindível o entendimento de que o princípio da ofensividade é limitador da intervenção Estatal. Ela é somente justificada quando a lesão constitui uma ofensa intolerável a um bem jurídico. Do contrário, o Estado estaria adotando um sistema autoritário e totalitário de reação penal, baseado em princípios puramente ideológicos, mas de realidade opressiva e violenta, com ineficácia historicamente comprovada.

Entendendo os atos infracionais de bagatela como naturais do desenvolvimento processual humano, a intervenção(sanção) Estatal passa a ser desnecessária, pois o jovem, quando adquire a concepção subjetiva do dano causado pela sua conduta, dificilmente optará pelo caminho da reincidência. Em contrapartida, havendo reação repressiva pelo Estado, os sentimentos de inconformidade, impotência e angústia poderão ser exteriorizados em agressividade, o que aproximará o menor da via criminal.

André Szesz é acadêmico de

Direito.andreszesz@hotmail.com
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