(Considerações à vista da OJ 340 da SBDI I do C. TST)
1. O efeito devolutivo no recurso trabalhista
A regra geral no processo do trabalho é a de conferir apenas o efeito devolutivo aos recursos, conforme estabelecido na CLT (art. 899, caput).
Não esclarece a lei trabalhista, no entanto, qual é a amplitude do efeito devolutivo na Justiça do Trabalho. Há uma lacuna, pois, a respeito. Aplica-se, então, o amplo princípio da devolutividade, previsto no CPC (art. 515, § 1.º), considerado aplicável ao processo do trabalho.
Conforme assevera Wagner D. Giglio, “socorre-se o processo do trabalho dos princípios gerais estabelecidos na doutrina processual civil, desde que, como dispõe o art. 769 da CLT, as normas legais que concretizam, no Código de Processo Civil, não sejam incompatíveis com a legislação processual específica, trabalhista”.
2. A regra do processo civil
José Carlos Barbosa Moreira, em exegese ao dispositivo do CPC a respeito, explicita que “é amplíssima, em profundidade, a devolução. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na instância inferior: abrange também as que poderiam tê-lo sido. Estão aí compreendidas: (…) b) as questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas e discutidas pelas partes”.
Citando esse autor, Manoel Caetano Ferreira Filho recorda que tanto os fundamentos do pedido quanto as defesas alegadas pelo réu “escapam à preclusão e ficam sujeitos à cognição do tribunal; não se impõe às partes o ônus da reiteração”. Falando dos limites da extensão do efeito devolutivo, isto é, da matéria impugnada, o Professor Manoel Caetano salienta que o recurso permite ao tribunal examinar: “a) todas as questões resolvidas na sentença; b) todas as questões suscitadas e debatidas no processo, que poderiam ser decididas na sentença, mas não foram; c) as questões relativas às matérias de ordem pública, mesmo que já tenham sido objeto de anterior decisão interlocutória”.
3. A posição da jurisprudência civil
Essa é, aliás, a orientação jurisprudencial quando diz: “As questões não suscitadas e debatidas em 1.º grau não podem ser apreciadas pelo Tribunal na esfera de seu conhecimento recursal, pois, se o fizesse, ofenderia frontalmente o princípio do duplo grau de jurisdição (JTA 111/307)”.
Também nesse sentido outro julgado, cujo teor é o seguinte: “A amplitude da devolução do § 1.º do art. 515 do CPC é limitada à matéria impugnada, ainda que, embora discutida na causa, não tenha sido objeto do julgamento de instância monocrática”.
4. A Orientação Jurisprudencial nº 340 da SBDI I/TST
A orientação supra tem o seguinte teor:
“Efeito devolutivo. Profundidade. Recurso ordinário. Art. 515, § 1.º, do CPC. Aplicação. O efeito devolutivo em profundidade do Recurso Ordinário, que se extrai do § 1.º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinado pela sentença, ainda que não renovado em contra-razões. Não se aplica, todavia, ao caso de pedido não apreciado na sentença”.
A OJ, como se vê, afina-se com a doutrina que, relativamente à profundidade, confere a maior amplitude possível ao princípio da devolutividade.
Por outro lado, em sua parte final, deixa bem claro que, sob o ângulo da extensão, o princípio tem seus limites.
Sobre o assunto, escreveu o Min. João Oreste Dalazen: “a atividade cognitiva do tribunal estará demarcada pelo âmbito da impugnação; assim, o tribunal, no máximo, rejulga os pedidos já dirimidos pelo juízo a quo: não julga os pedidos que este não julgou; portanto, não completa` o tribunal o julgamento dos pedidos sobre os quais se omite a sentença citra petita”.
Isto quer dizer que os fatos utilizados pelo recorrente como fundamentos de suas razões recursais devem se ater aos limites do quanto foi exposto perante o juízo de primeiro grau, salvo, claro, quando se tratar de fato novo. Assim, pedido novo (como, por exemplo, abatimento de horas ditas pagas como normais), até então não levantado nos autos, impõe a rejeição do recurso, já que, sabidamente, o efeito devolutivo importa na restituição da matéria já examinada, sendo vedado à parte inovar em sede recursal (artigo 515, § 1.º do CPC e artigo 899 da CLT).
5. Os casos mais freqüentes na Justiça do Trabalho
Transladando o princípio da devolutividade, conforme visto, para os casos concretos na Justiça do Trabalho, podemos recordar dois casos mais comuns (prescrição, descontos previdenciários e fiscais), sobre os quais tem havido muita controvérsia, a cujo respeito já expusemos nossa mudança conceitual.
5.1. Prescrição
Quando a sentença conclui pela improcedência, não examinando, ou rejeitando a prescrição, o Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, em trabalho denominado “Prescrição – momento próprio à articulação”, admite a possibilidade de ser reconhecida, desde que trazida em contra-razões, aduzindo que: “A impugnação mediante recurso fica excluída, face à ausência do único pressuposto subjetivo de recorribilidade que é o interesse em recorrer, derivado sempre de gravame sofrido pela parte”.
O C. TST vem acolhendo tal posicionamento, ainda que a prescrição tenha sido argüida em contestação mas não renovada em contra-razões, em face do amplo princípio da devolutividade (art. 515, § 1.º do CPC), considerado aplicável ao processo do trabalho.
Assim, entende a mais alta corte trabalhista: “Julgada improcedente a reclamação e havendo recurso da reclamante que foi provido, deveria o Tribunal manifestar-se sobre a prescrição, ainda mais que foi instado a fazê-lo em Eds. Não o fazendo violou o art. 832/CLT e conseqüentemente o art. 896/CLT”.
Os precedentes encontrados perante a corte máxima juslaboral são os seguintes: ERR-208.313/95, Min. Vantuil Abdala, DJ 21.05.99, decisão unânime; ERR-181.482/95, Ac. 5.119/97, Min. Francisco Fausto, DJ 30.05.97, decisão unânime (determinado item do pedido); ERR 155.794/95, Ac. 1.902/97, Min. Francisco Fausto, DJ 30.05.97, decisão unânime (prescrição argüida em contestação); ERR 130.918/94, AC 3.605/96, Min. Vantuil Abdala, DJ 04.04.97, decisão unânime (prescrição argüida em contestação – não renovada em contra-razões).
Também o Excelso Supremo Tribunal Federal, no AGRE 168.705-4, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 02.06.95, em decisão unânime, sobre a prescrição argüida em primeiro grau, entendeu que: “Interposto recurso pela parte contrária, possível e cabível exame da questão pela Corte revisora”.
5.2. Descontos previdenciários e fiscais
Relativamente aos descontos previdenciários e fiscais, a fundamentação é a mesma, vale dizer: se na contestação foi requerida a dedução desses valores sobre o montante eventualmente devido; se a ação foi julgada improcedente sem manifestação da sentença a respeito; se o Tribunal reforma a decisão para acolher os pedidos deve se manifestar sobre as deduções, vez que a ré não tinha sido sucumbente, o que desobrigou de interpor recurso e alegar a matéria em contra-razões, em face do princípio da devolutividade (art. 515, § 1.º CPC).
Esse o sentido de aresto do C. TST, de cuja ementa se extrai o seguinte trecho: “Julgada improcedente a Reclamatória e havendo recurso do Reclamante, que foi provido, deveria o Tribunal manifestar-se acerca do pedido de dedução dos valores relativos a contribuições previdenciárias e fiscais, que fora objeto de contestação sob pena de, não o fazendo, violar o art. 515, parágrafo 1.º do CPC”.
7. Conclusões
a) Relativamente aos recursos trabalhistas, aplica-se ao processo do trabalho o amplo princípio da devolutividade previsto no CPC (art. 515, § 1.º), pois há omissão a respeito e não há incompatibilidade;
b) As questões que foram suscitadas e discutidas pelas partes, e deixaram de ser apreciadas, são devolvidas;
c) Ao revés, entretanto, questões não suscitadas e nem debatidas em primeiro grau não podem ser apreciadas pelo Tribunal, pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição;
d) Argüida a prescrição em contestação, e julgada improcedente a ação, com ou sem manifestação da sentença, a matéria se considera incluída na ampla devolutividade, embora não renovada em contra-razões, por inexistir o pressuposto subjetivo de recorribilidade decorrente do gravame sofrido;
e) Improcedente a ação trabalhista, e havendo recurso do autor, provido, deve, obrigatoriamente, o Tribunal, manifestar-se sobre os descontos previdenciários e fiscais, objeto da contestação, sob pena de violação ao art. 515, § 1.º do CPC.
Notas:
GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 390.
2 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao código de processo civil. Vol. V. Arts. 476 a 565. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 500
3 FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao código de processo civil. V. 7: do processo de conhecimento, arts. 496 a 565. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 125.
4 Ob. cit. p. 124.
5 NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. Nota de rodapé ao art. 515: 7.ª p. 565.
6 STJ – 3.ª turma, Resp. 5.803-CE, Rel. Min. Dias Trindade, j. 30.04.91, não conheceram, v.v. DJU 27.05.91, p. 6.960.
7 DALAZEN, João Oreste. Recurso ordinário: a amplitude do efeito devolutivo e o duplo grau de jurisdição. Revista do TRT da 9.ª Região. v. 1. n. 1. Curitiba. set/dez 1976. p. 44.
8 GUNTHER, Luiz Eduardo e ZORNIG, Cristina Maria Navarro. As contra-razões no processo trabalhista. Caderno Direito e Justiça, 30.09.01.
10 Revista LTr. Vol. 49. n. 8. Agosto de 1985. p. 911.
11 AC. 3.ª T. Proc. TST-RR-523.663/98.7, julgado em 13.09.00. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula.
12 Idem.
Luiz Eduardo Gunther
é juiz do TRT da 9.ª Região e professor das Faculdades Integradas Curitiba e Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no mesmo Tribunal. E-mail para correspondência: cristinazornig@trt9.gov.br