A partir do início de janeiro do próximo ano o latifúndio improdutivo e suas variantes será declarado o principal inimigo da humanidade. O anúncio de guerra está sendo feito pelo Movimento dos Sem Terra MST. Por enquanto, o inimigo mais importante do movimento é o atual governo. Dizem os dirigentes do movimento que, por enquanto, para chegar ao latifúndio precisa, antes, passar por cima do governo.
Enganam-se, entretanto, os que pensam que haverá trégua no campo. Nem durante o que resta do atual governo nem no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Quem está avisando é a direção nacional do movimento, nas palavras do trio Gilmar Mauro, Jaime Amorim e João Paulo Rodrigues, reunido recentemente em Caruaru. Ocupações, marchas, acampamentos, saques e vigílias fazem parte do programa de ação até o final do ano, como forma de pressionar o cumprimento de metas. Depois…
Depois será a mesma coisa. Nenhum dia de trégua será concedido. “Esperamos uma ação contundente do governo Lula contra o inimigo da humanidade e do povo (…) medidas visando à reforma agrária devem ser tomadas logo no primeiro dia”, advertem os comandantes do movimento, acrescentando que já não basta uma nesga de terra estar produzindo para cumprir a finalidade social inscrita na Constituição: precisa estar respeitando o meio ambiente. E também a legislação trabalhista. Da legislação tributária, nem se fala.
A linguagem das lideranças dos sem-terra, além de acrescentar motivos novos para justificar as invasões, avança ameaçadora para influenciar ou exigir participação também em programas de governo ou no âmbito legislativo. “Nossa tarefa, dizem eles – é organizar trabalhadores na base para que a pressão por reforma agrária ajude a avançar.” Assentar e suprimir leis que, no conceito deles, entravam o programa de distribuição e partilha de terras, constituem dever do próximo governo. Assim, “trégua não está no nosso vocabulário” – explicam, garantindo que a fome não dá trégua a ninguém.
Porque assentar não é apenas distribuir terra, mas cuidar da moradia, energia elétrica, água, saúde, educação e tudo o mais, os atuais dirigentes do próprio Instituto de Colonização e Reforma Agrária – Incra acham muito difícil Lula mudar o ritmo de assentamentos até aqui desenvolvido. Nem precisaria, desde que o MST não inicie a promoção de invasões com intenções políticas.
No cadastro do Incra existem 300 mil famílias relacionadas em condições de serem assentadas em todo o Brasil. Nesse total, não se sabe se estão incluídas as cem mil famílias que o MST diz estarem, neste momento, reunidas nos acampamentos País afora. Mesmo assim, fazendo a média do governo que finda, que assentou 688 mil famílias, num ritmo que chega a cerca de cem por ano, Lula chegaria ao final de seu período com o problema resolvido. Ou quase. Vê-se, pois, que o principal “inimigo da humanidade” não é tão grande assim. A menos que o MST, no papel anunciado de fiscal das leis trabalhistas e ecológicas, após esgotar também essa fronteira, derive para outras reivindicações.