De duas uma: ou a turma do presidente Fernando Henrique Cardoso que se foi era muito hábil, ou a turma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que aí está, incluindo aquela da longa transição, é muito devagar. Não há – acreditando-se ser verdadeira a alegação apresentada – outra explicação para o corte de quatorze bilhões de reais no Orçamento deste ano, anunciado depois da segunda reunião ministerial do governo, segunda-feira que passou, na Granja do Torto.
O governo mandou cortar e, para justificar os cortes, resolveu polemizar. Nada afetará a área social, mas o talho será maior que imaginava – qualquer coisa próxima de cinco bilhões de reais. Segundo a explicação dada, a culpa maior é do governo que passou. FHC teria subestimado alguns gastos com a Previdência e, assim, maquiado o Orçamento na reta final em prejuízo do governo ainda estreante. Mas nem o Congresso havia percebido? A acusação inesperada para o corte anunciado causou imediata reação: dentro do PT, que já reclamava do arrocho, metas fiscais sob orientação do FMI, juros nas estratosferas; dentro do PSDB, que, aturdido, passou a disparar ironias à competência dos técnicos de Lula, que descobriram tarde um furo que não é pequeno.
E no bate-boca estabelecido, ficamos na verdade sem saber se a culpa, má-fé, matreirice ou mero erro de cálculo foi do governo que saiu, ou tudo é parte de algum estratagema do governo atual. Um deles seria – conforme já se fala a boca pequena – gerar caixa suficiente para o presidente Lula dar aumento maior ao salário mínimo antes de maio chegar. Outra justificativa também plausível seria a que decorre do aumento dos juros, que faz aumentar a dívida e, conseqüentemente, exige superávit maior… As razões, na verdade, pouco importam para os contribuintes aqui na planície. Seja qual for o motivo, o resultado será um só: com cinto apertado, o apetite fiscal do governo é sempre maior. E isso significa justificativa para aumento – e não o inverso – de impostos, taxas, tarifas e contribuições.
Economia e parcimônia nos gastos com dinheiro público deveriam, entretanto, fazer parte das obrigações rotineiras de governo. O destaque dado ao corte foi desproporcional à pífia agenda de trabalho anunciada no primeiro pacote do presidente Lula que, entre outras coisas, prevê uma grande ofensiva durante o Carnaval que se aproxima, visando reprimir a exploração sexual infanto-juvenil. A instalação de pouco mais de quatro mil computadores em agências dos Correios, Brasil afora, e o aumento do efetivo da Polícia Rodoviária Federal seriam ações de rotina, não fosse a tentativa de fazer marketing explícito de um governo que ainda não encontrou seu ritmo de trabalho. Entre as 14 medidas anunciadas não figurariam, igualmente, coisas como o decreto constituindo um grupo de trabalho, já antes anunciado, para estudar uma proposta de recriação da Sudene, ou o anúncio de criação, em 21 de março, de uma Secretaria de Promoção da Igualdade Social…
Até mesmo a autorização de licitação para construir mais de mil e seiscentos quilômetros de linhas de transmissão de energia elétrica (um cuidado para evitar eventuais ameaças de apagão) perdeu terreno para o debate dos cortes orçamentários – uma ação que não implica realização ou trabalho maior que esse do porta-voz, sempre de plantão. Como já dissemos aqui, e é bom repetir: está na hora de começar o trabalho de fato, deixando um pouco de lado esse trabalho de gerar fatos que geram a impressão de que alguém está tentando trabalhar.