Quando se ostenta título de autoridade, mesmo que não a tenha, senão no papel, não dá para não ter papas na língua. As palavras precisam sempre ser medidas e, não raro, entender que em boca fechada não entra mosca. Há homens públicos que preferem a linguagem de horóscopo, ou seja, dizer algo aparentemente lógico, com pomposidade e eloqüência. Analisadas suas palavras, que cobrem uma gama ampla de significados, descobre-se que na realidade não disseram coisa alguma. Ficam no talvez, quem sabe… Mas uma autoridade canadense, de alto nível e nome não identificado, disse que o presidente George W. Bush, dos Estados Unidos, é “um idiota”. O fato foi amplamente divulgado pela imprensa em todo o mundo, gerando um mal-estar tão grande que quase se transformou numa crise política entre os dois maiores países da América do Norte. A gafe teria sido contornada. O Canadá afirma que seu laços com os Estados Unidos continuam fortes como sempre, apesar do comentário embaraçoso sobre Bush.

“Mantemos relações bastante estáveis… essas são relações extremamente próximas, extremamente profundas e continuarão a ser assim”, declarou o ministro das Relações Exteriores do Canadá, Bill Graham, falando a jornalistas na cúpula da Otan, em Praga. Pressionado pela imprensa, o ministro canadense acrescentou que conversou com o secretário de Estado norte-americano, general Colin Powell, e a questão sobre a presumível idiotice de Bush sequer foi mencionada. A Casa Branca também olhou o incidente com o binóculo virado do lado contrário, minimizando-o. É o que convém à diplomacia.

A qualificação pejorativa do presidente norte-americano teria partido de um membro do gabinete do primeiro-ministro canadense Jean Chrétien, durante um pronunciamento. A gafe serviu para levar a público desentendimentos sérios que existem hoje entre os dois países, algo para nós, brasileiros, inimaginável, pois sempre discutimos as questões que o Brasil tem hoje com o governo Bush e também com o Canadá. Com o governo Bush temos sérios desentendimentos devido ao protecionismo norte-americano, que prejudica exportações de muitos produtos brasileiros, inclusive o aço. Também porque não concordamos com sua política belicosa e arrogante em relação ao Iraque, embora não exista aqui nenhuma simpatia pelo ditador Saddam Hussein. Com o Canadá, sempre nos desentendemos em razão das nossas exportações de aviões. O governo canadense tenta boicotar as vendas da nossa Embraer, para privilegiar a sua Bombardier, até com apoio do governo norte-americano.

Os dois países, parceiros até aqui eternos, travam agora uma batalha comercial devido à exportação de madeira. Os americanos desejam ainda investigar as exportações de trigo canadense. Bush abre mais uma frente no seu ingente trabalho de criar inimigos e adversários, atingindo inclusive seu vizinho e aliado dos mais estreitos.

De outro lado, o governo de Chrétien, como o brasileiro, também se opõe a um ataque unilateral dos EUA contra o Iraque. Diante de tudo isso, as declarações do ministro das Relações Exteriores do Canadá, Bill Graham, de que tudo continua como dantes entre os dois países, pode ser apenas panos quentes. Ou a reafirmação, não expressa, de que para os canadenses Bush é verdadeiramente um idiota.

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