O preposto do administrador judicial na falência e na recuperação judicial

Introdução e aspectos gerais

Muito se discute quanto à responsabilidade do Administrador judicial (ou síndico, em procedimentos falimentares que tiveram decretação da falência ainda na vigência da lei 11.101/2005) em casos de destituição ou substituição. É sedimentado que o Administrador judicial (ou Síndico) é de livre escolha do magistrado, que é o responsável maior pela administração da falência, devendo, portanto, essa escolha estar sujeita a discricionariedade plena desse para que nomeie pessoa de sua mais absoluta confiança, preferencialmente advogado (conforme art. 21, da LRF).

A lei dá essa discricionariedade ao magistrado, como administrador da falência, pela natureza do procedimento concursal, a pluralidade de credores envolvidos e a necessidade de higidez e imparcialidade por parte de um liqüidador.

É notória a essencialidade da função do Administrador judicial, na administração da justiça, no procedimento de execução concursal falimentar e nos procedimentos a estes decorrentes e relativos que são de nítido interesse público.
No ordenamento jurídico brasileiro o Administrador judicial é considerado um auxiliar da justiça(1) que subordinadamente ao magistrado, representante do Estado, que preside o procedimento, auxilia na liquidação da empresa insolvente e satisfação dos credores. Tendo nesse cargo diversos deveres inerentes.
Logo, não bastasse o iminente interesse público que reveste a função, trata-se também de uma função de confiança do juiz que preside a falência, ou seja, submetido ao julgamento íntimo do magistrado no que tange sua confiabilidade para ao lado dele exercer a administração da falência.

Porém, há casos em que surge a figura do preposto do administrador judicial, um advogado contratado para o administrador judicial para representá-lo. A grande discussão surge quando esse preposto acaba por desempenhar funções inerentes ao administrador judicial e a responsabilização desse preposto pelos seus atos.

O preposto do síndico

Um dos maiores doutrinadores em Direito Falimentar da atualidade, Waldo de Fazzio Junior, em sua afirmação sobre a indelegabilidade do cargo de Administrador judicial em procedimentos da lei 11.101/2005:

Dado do caráter ancilar da função desempenhada pelo administrador judicial, uma vez que trabalha sob a supervisão do juiz, a delegação funcional não pode ser a regra. Afinal de contas, o administrador judicial não pode delegar aquilo que não tem.

Excepcionalmente, para atos determinados, a LRE enseja a transmissão de poderes administrativos, mas, mesmo nesses casos esporádicos, é necessária a prévia autorização pretoriana.

Essa indelegabilidade não impede o administrador judicial, quando não formado em direito, de constituir advogado, sendo certo que deve ficar sob sua inteira responsabilidade o pagamento dos respectivos honorários profissionais. Nesse caso não há delegação, mas mero suprimento de capacidade postulatória.
É necessário distinguir duas situações: o administrador judicial responde pelos honorários do advogado que o representar; a massa suporta os honorários do advogado contratado pelo administrador judicial, com aprovação do juiz, para a defesa dos interesses da falência(2).

Alguns apontamentos, porém, devem ser feitos. Quando se fala em suprimento de capacidade postulatória supõe-se que o doutrinador não se refira à falência e a seus incidentes, pois, como visto, a lei já confere ao Administrador judicial capacidade postulatória por ser esse um auxiliar da justiça. Portando, apenas uma motivo ensejaria a contratação de um advogado para massa falida, o lavoro em procedimentos diversos, que não o feito principal e seus incidentes, em prol dos interesses da massa falida. Aquele advogado que preste assessoria ao administrador judicial no procedimento falimentar principal e seus incidentes certamente presta um serviço a esse a dar conta de seu plexo de obrigações e não à massa falida daí decorre a obrigação desses custos saírem dos honorários do Administrador. Nesse sentido também encontramos ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho:

A função do administrador judicial é indelegável, mas ele poderá contratar profissionais para auxilia-lo, solicitando prévia aprovação do juiz inclusive quanto à remuneração (salários ou honorários). Quando se trata de advogado, deve-se distinguir entre o contratado para a defesa de interesses da massa e o contratado para a representação processual do próprio administrador judicial, porque somente os honorários do primeiro podem ser suportados pela massa falida. Cabe ao próprio administrador judicial, portanto, remunerar o advogado que eventualmente vier a contratar para representa-lo na falência(3).

A legislação de 1945 exigia do administrador judicial, como pré-requisito a exercer suas funções, seja um profissional idôneo (que também é referida como idoneidade moral e idoneidade de boa-fama)(4).

Já a lei 11.101/2005, assim dipõe:

Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.

Ou seja, no diploma em vigor, fora essa exigência esse pode ser qualquer um, a limite da discricionariedade e bom-senso do juiz administrador, pessoa física ou jurídica especializada. Observe-se inclusive que esse pré-requisito é de tal monta importante que se de causas supervenientes à sua nomeação esse perder essa idoniedade dará razão a imediata destituição Sanção imposta ao que não a cumpriu a contento as obrigações inerentes às função: a inobservância de prazo legal, renúncia injustificada ou o interesse conflitante com o da massa. A pessoa destituída perde direito à remuneração e não pode mais ser escolhida para nenhuma outra falência(5).

Ocorre que, por vezes, o magistrado, visando o maior interesse dos credores e idoneidade na condução da falência e maior velocidade na consecução dos atos de liquidação, julga por bem nomear como administrador judicial pessoa desacostumada a lidar com extenso plexo de normas falimentares como, por exemplo, o maior credor da massa falida.

Essa pessoa, ainda interessada na maior agilidade do feito, agora sob sua responsabilidade como administrador judicial, muito embora por ser tido como auxiliar processual, portanto com capacidade postulatória em razão da função (nos feitos de interesse da massa falida), não raramente decide por constituir então um preposto. Um advogado, em geral especializado no complexo Direito Falimentar.

Daí decorrem dois elementos de ordem prática a um novo de ordem de direito material (que será visto em próximo capítulo).

Primeiro elemento de ordem prática é que muitas vezes esse preposto não trabalhará de graça, pelo mero deleite de ver a justiça cumprida e os credores plenamente satisfeitos, exigirá em muitos casos uma determinada quantia por mês para acompanhar todos os processos da falência, onerando ainda mais a massa.

Então, receberá o magistrado, petição feita pelo recém nomeado Administrador judicial com vários orçamentos de profissionais interessados em acompanhar a falência e incidentes, em defesa aos interesses da massa. Em geral, estipulando remuneração mensal aos advogados que exercerão uma advocacia de partido.
Assim entende o doutrinador, Gladston Mamede:

A pessoa escolhida para administrador judicial deverá apresentar, ademais, idoniedade técnica para a função, ou seja, capacidade técnica, conhecimentos satisfatórios sobre o juízo universal e aptidão para o desempenho das atividades que compõe a sua competência. (…) O artigo 21, caput, da lei 11.101/2005, nesse sentido, afirma que a escolha deverá recair preferencialmente em advogado, economista, administrador de empresas ou contador. (…) Apenas considerou que tais profissionais, pela formação, que em tese tiveram, estariam mais aptos ao exercício das funções de administrador judicial. No caso concreto pode ser bem diferente.

Ou seja, a análise da lei 11.101/2005 (LRF) e a doutrina já deixam sedimentado que a intenção principal na escolha de um administrador, que não apenas sua idoneidade, é também a capacidade de, por si, administrar a falência comparecendo e entendendo todos os atos processuais do feito, propiciando assim maior agilidade e presteza na tutela judicial aos credores.

Entende-se portanto que a mera petição para a constituição de preposto judicial para o administrador já é prova da incapacidade da pessoa escolhida pelo magistrado para diligenciar atos necessários ao regular e célere deslinde da falência, portando desinteressante aos credores e a administração da justiça exatamente o que tenta evitar o legislador. Causa essa ensejadora de substituição, essa deixada à discricionariedade do juiz (por não conter caráter punitivo).

O segundo elemento de ordem prática que é a condução da falência deixada inteiramente a cargo do preposto daí podendo o feito ser prejudicado em requisitos como celeridade ou mesmo idoneidade, desconhecendo o administrador judicial de detalhes do procedimento ou mesmo a fase processual em que esse se encontra.

Como pudemos concluir esse não era o objetivo da lei. Ora, o preposto é uma pessoa que não foi escolhida pelo juiz, portando não estava sujeita àqueles requisitos de idoneidade e especialização (ou mesmo interesse no feito), muito embora autorizada sua contratação para interesses da massa falida, entendeu o juiz que aquele administrador judicial, por julgar mais diligente e responsável, pessoa ideal para conduzir a falência e não um preposto que tenha eventualmente se sobressaído dentre três ou mais propostas trazidas pelo administrador judicial aos autos.

Vejamos, uma pessoa que não responde pelos seus atos está propícia a ser mais desatenta do que aquela que detém responsabilidades. Ou seja, pelos erros do preposto, quem responde será o administrador judicial. Agrave-se ainda que a condução do processo estará inteiramente ao encargo de um advogado de partido da Massa Falida. Ou seja, o regular deslinde processual (em termos de agilidade e efetividade) estará em grande parte nas mãos de um profissional que recebe remuneração mensal da massa falida. Extraí-se daí que podem seus interesses particulares não virem de encontro à celeridade do feito, portanto, àqueles interesses essenciais aos quais deveria o magistrado atender quando da nomeação de administrador judicial, estão sendo deixados de lado.

Então, de ordem prática, o feito falimentar, como execução concursal, e demais deles decorrentes podem se ver muito prejudicados, juntamente com seus credores.

Os efeitos sobre o preposto da destituição do administrador judicial na falência (lei 11.101/2005)

O elemento de direito material cinge-se na responsabilização do preposto. Como bem vimos o administrador pode ser qualquer um, contudo em geral o preposto é profissional, operador do direito. Extraí-se daí que esse profissional, se idôneo, supostamente teria uma imagem e carreira a zelar, deferentemente a um administrador judicial que, se sujeito às penalidades do art. 30 da LRF, em nada seria prejudicado. Ocorre que o mencionado dispositivo assim dispõe:

Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.

§ 1.º Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a função de administrador judicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3.º (terceiro) grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

§ 2.º O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz a substituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos desta Lei. (Grifo nosso)

Ou seja, da mais efetiva penalidade imposta aos administradores judiciais que venham a agir ao arrepio de seus propósitos e, conseqüentemente, a justiça, os prepostos dos mesmos, que quase que via de regra estão integralmente responsáveis pela administração da falência, estão absolutamente livres.

Aliás, pela essencialidade da função nos interesses da justiça, o Administrador judicial é equiparado a funcionário público para fins penais. Sendo para demais efeitos (civis e administrativos) um agente externo colaborador da justiça(6).

E não fosse pela omissão legal essa irresponsabilidade quanto a seus atos está plenamente defendida nos parágrafos 2.º e 3.º do art. 2.º da lei 8906/1994, porquanto advogados de partido da massa falida. Frise-se, enquanto advogados de partido.

Consideremos que o preposto do administrador judicial só é constituído com autorização do juízo: podemos crer que às obrigações e do disposto no termo de compromisso do art. 33 da LRF a ele se estendem, vez que auxilia diretamente, em todos os atos, uma figura legal com responsabilidades bem particulares e que existe tão-somente para a administração da justiça, não sendo, portanto, parte no processo?(7)

Infelizmente não. Podemos entender que o art. 30 da LRF trata-se de uma restrição de direitos, portanto, uma punição (razão pela qual está sujeita, inclusive a ampla-defesa). Ou seja, os fundamentos ali lançados pelo magistrado, na destituição, podem estar sujeitos a abuso de autoridade, legitimando o administrador judicial, inclusive, a buscar correção do ato por meio de Mandado de Segurança (diferentemente da mera substituição, que não caracterizaria lesão ou ameaça de direito, portanto, não tendo o administrador judicial o direito subjetivo para rivalizar a decisão que o destituiu em juízo ad quem)(8). Por ter então caráter punitivo está sujeita às regras garantidoras gerais, ou seja, é vedada a interpretação extensiva da regra punitiva, em especial se essa teve caráter próprio.

Ainda, por tratar-se de regra de restrição de direitos ao preposto, por ser de ordem administrativa, não seria aplicável a regra do art. 29, caput, ou ainda o art. 327 e parágrafos do Código Penal. Ainda que sua atitude, possivelmente de cunho criminoso, tenha como vítima a administração da justiça. Este só estaria sujeito, por meio dessa regra penal ao disposto nos arts. 168 e seguintes da LRF. E mesmo que fosse responsabilizado como administrador judicial, não estaria impedido de exercer como preposto do administrador judicial em outras falências, inclusive no mesmo juízo, porquanto não lhe é necessário o requisito “idoneidade”.

Então, podemos entender que mesmo que o preposto do administrador judicial venha a lesar a massa falida e mesmo que esse, além de possuir atribuições na falência onde incorreu em lesão, seja administrador judicial em demais feitos, ou possa vir a ser, estaria livre da restrição do art. 30 da LRF.

Aliás, diga-se de passagem, a pessoalidade é tão inerente às funções na administração da massa falida, até mesmo como auxiliar de confiança junto ao magistrado-administrador, que o legislador, inclusive, quando da nomeação de personalidade jurídica para administração desta, determinou, no parágrafo primeiro do artigo 21 da lei 11.101/2005, que seja declinado ao juízo o nome do responsável pela condição do processo falimentar no termo de compromisso (art. 33 da LRF).

Conclusão

A figura do preposto do síndico ou preposto do administrador judicial, além de mostrar-se arcaica e incompatível com o espírito da lei 11.101/2005 demonstrou, na prática, ser contrária aos interesses dos credores e da administração da justiça em procedimentos falimentares. Sua desnecessidade é patente porquanto o administrador goza de capacidade postulatória na falência, como auxiliar da justiça, e na defesa de interesses da falida e seja justamente ele que recebeu o múnus por parte do juiz, esse que tem caráter estritamente pessoal.

Não faz sentido que o magistrado-administrador decida por escolher um administrador judicial que não tenha domínio algum sobre o emaranhado plexo de normas falimentares a ponto de necessitar de advogado ou apoio jurídico especializado o preposto. Na realidade, sobre tal hipótese preocupa-se o legislador ao determinar a preferência por advogados para a condução do procedimento, pelo suposto conhecimento do procedimento falimentar. Assim sugere a sistemática da nova lei em busca de maior eficiência na administração da falência, permite até mesmo que sejam nomeadas personalidades jurídicas especializadas à condução do procedimento falimentar.

Justificar-se-ia a existência de preposto apenas como advogado da massa falida quando da defesa de interesses dessa junto a juízos outros, que não o universal, a fim de que desempenhe tarefas específicas, distintas da mera administração da massa. A extensão das atividades desse preposto a ponto de exercer essa administração, encargo de responsabilidade e confiança do administrador judicial, implica necessariamente no desvirtuamento da função.

Notas:

(1)     Isso decorre de interpretação conjunta dos artigos 139, do Código de Processo Civil, e artigo 21, caput, da Lei 11.101 de 2005.

(2)     FAZZIO JUNIOR, Waldo Lei de Falência e Recuperação de Empresas  Ed. Atlas, SP: 2008, 4.ª Ed. p. 330.

(3)     COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa Ed. Saraiva, SP:2008. 8.ª Ed. Vol. 3 p.275

(4)     MAMEDE, Gladston Direito Empresarial Brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas – Ed. Atlas, SP: 2008. 2.ª Ed. Vol. 4. p. 67.

(5)     COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa Ed. Saraiva, SP:2008. 8.ª Ed. Vol. 3 p. 275

(6)     COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa Ed. Saraiva, SP:2008. 8.ª Ed. Vol. 3 p. 274

(7)     MAMEDE, Gladston Direito Empresarial Brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas – Ed. Atlas, SP: 2008. 2.ª Ed. Vol. 4. p.73.

(8)     Idem.

(9)     Assim dispõe a lei: “Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz”.

Referências

COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa Ed. Saraiva, SP:2008. 8.ª Ed. Vol. 3 FAZZIO JUNIOR, Waldo Lei de Falência e Recuperação de Empresas  Ed. Atlas, SP:2008, 4.ª Ed. MAMEDE, Gladston Direito Empresarial Brasileiro: Falência e Recuperação de Empresas – Ed. Atlas, SP: 2008. 2.ª Ed. Vol. 4.

Marcel Guimarães Rotoli de Macedo é juiz de Direito, Titular da Primeira Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, especialista em Direito Administrativo, Civil e Tributário.
Jorge Augusto Derviche Casagrande é especialista em Direito Falimentar.

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