O preço da busca pela excelência

Nesta época do ano há um sentimento que faz parte de uma parcela bastante considerável da população brasileira: o da derrota nos exames de admissão aos cursos superiores. Há algum tempo esse sentimento era bastante comum entre adolescentes em início de carreira.

Depois de uma série de tentativas, reprovados nos exames de admissão nos cursos superiores, prosseguia-se o cursinho. Hoje a história é outra. Permanecemos ainda convivendo com adolescentes desapontados pela primeira, ou já pela enésima vez, reprovados em exames de admissão aos cursos superiores, principalmente os em instituições públicas. No entanto, há uma parcela, já significativa, de reprovados que não se adapta ao formato até aqui considerado. Falo das enormes quantidades de reprovados nas centenas de concursos públicos no Brasil. Não é de se espantar que em um país de políticas econômicas nem sempre compreensíveis, de planos sociais nem sempre justos e de desenvolvimento de plano de governo quase sempre incerto, as pessoas tenham que se ater em algo mais substancial, e, no caso dos empregos, nada cai melhor que um cargo público. Nesse quesito, até o velho paradigma mudou: passamos, em poucos anos, da idéia de que qualquer cargo público valesse a pena para a realidade de agora, dos caçadores de concurso.

Há um grupo de caçadores que viajam do norte ao nordeste e do sul ao sudeste do país à procura deles, ou melhor, à procura dos melhores deles. Não basta mais um cargo junto ao Estado, é necessário escolher o melhor, desde que o critério seja o de maior retorno financeiro. Uma coisa é certa, precisamos rever os nossos conceitos de funcionários públicos urgentemente. Já faz algum tempo que os velhos paradigmas em relação a eles não servem mais. O funcionário público hoje tende a ter altíssimas qualificações profissionais. Quem diria que em um país que sofreu durante muitos anos por falta de profissionais qualificados, principalmente no serviço público, teria um dia, excesso de qualificação em determinadas áreas? O problema é que isso também é um problema, dos grandes: ter funcionários altamente qualificados garante a qualidade e o comprometimento com o serviço? Não. E isso vale para empresas públicas e privadas. Nos países em que a qualificação profissional dos adultos chega à quase totalidade da população, e não pasmem, isso existe, quem faz o trabalho pesado? Pessoas com altas qualificações profissionais, formação superior, escolarização de terceiro grau. No entanto a diferença está não na forma, mas no ideal que esse o povo tem. O que faz um indivíduo pós-graduado realizar trabalhos de faxina e de limpeza pública lá fora? Certamente motivos diferentes para os que fazem o mesmo trabalho aqui: lá pode ser por escolha; aqui pode ser por falta dela.

Dizer que educação garante o futuro do país já é uma bandeira, de senso comum, para políticos vencerem as eleições, mas, quando muitos colocam a questão, quase sempre se referem à escolarização, como se esta fosse a condição única do processo educação. Dessa forma, provocam também a negação do que venha a ser educação não formal, aquela desenvolvida nos centros comunitários, nas comunidades de base, nos sindicatos, nos grupos, nas corporações. Escolarização não garante o futuro de um país, tampouco a mobilidade social que se espera. Essas realidades são frutos de uma série de fatores que combinados são traduzidos em um elemento muito maior, chamado ideologia. É a ideologia de um povo, ou de seus governantes, ou a junção delas, que traduz propostas e ações, e são estas ações que levam os povos ao rumo certo.

O que tem acontecido no caso dos concursos públicos deixa educadores e pensadores preocupados, afinal onde ficaram as nossas aulas, os valores que tentamos edificar, as discussões que acreditávamos ter vencido; e mais, quais são os critérios que as pessoas estão usando para definir suas práticas profissionais. Se o motivo a prevalecer estiver sempre na casa do financeiro, teremos nos próximos anos, o alargamento da problemática que ora nos incomoda: há dezenas de cargos públicos, muitos dos quais na área da saúde, abertos há tempos por falta de profissionais. O problema não é a qualificação, mas a remuneração que prefeituras e Estado querem dar e esses profissionais por longas horas de trabalho, quase sempre em condições pouco dignas de trabalho.

Onde esta o problema? De quem é a responsabilidade? Quando virá a solução? Enquanto os reprovados nos concursos de elite, assim o denominam, lutam agora para renovar suas forças para o próximo ano de concursos, fica uma pergunta no ar: o quadro irá piorar? De um lado adolescentes tentam esquecer a maratona de vestibulares que não deu em nada, de outro; homens e mulheres, maduros, tentam se refazer das frustrações por não terem sido aprovados nos concursos de elite. Já no meio desses todos, há os profissionais acadêmicos que amargam a derrota de não terem sido selecionados nos programas de mestrado e de doutorado. Triste realidade de nós todos, talvez pela vida inteira: nós homens, mulheres, adolescentes e crianças, que precisamos provar para o mundo que somos melhores que muitos joões, josés e marias. A seleção dos melhores faz o vencedor de agora, amargar a derrota de amanhã, e nesse caso, a dor doida é sempre aquela que ainda há por vir. É o preço da busca pela excelência.

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