O poder político e sua influência no Poder Judiciário

Com clareza e precisão, Araújo Cintra lembra que a posição do Poder Judiciário, como guardião das liberdades, só poderá ser preservada através de sua independência e imparcialidade. Por isso, é de primordial importância, no estudo do Poder Judiciário, a análise das garantias que a Constituição institui para salvaguardar aquela imparcialidade e aquela independência. Algumas dessas garantias dizem respeito ao Poder Judiciário como um todo, servindo para resguardá-lo da influência de outros poderes, enquanto outras são concernentes a seus juízes.

A liberdade é a essência que alimenta a condição de juiz e garante que nenhuma influência política possa demover seu espírito. Na atualidade, algumas questões políticas e econômicas têm prejudicado o relacionamento entre os Poderes da República. Algumas concessões são feitas pelo Poder Judiciário ao poder político em vista de questões econômicas. O magistrado Cláudio Baldino Maciel, do Rio Grande do Sul, observa, com propriedade, que não cabe ao magistrado produzir desenvolvimento econômico, e sim Justiça.

Quando a política ingressa pelas portas dos fóruns e tribunais, a Justiça escapa pela janela. Nenhuma influência política, ou por questões de ordem econômica, pode dirigir as decisões do Poder Judiciário. No dia em que “ser amigo” do juiz signifique ganhar uma causa, não haverá mais justificativa para a existência do Poder Judiciário, cuja autoridade moral depende da decência de seus juízes.

Henry Ward Beecher previa: “Tire todas as togas dos bons juízes e elas não serão suficientes para cobrir a iniqüidade de um só juiz corrupto”. A pior corrupção é a que decorre da influência: o verme recebe dinheiro para pagamento do preço pela corrupção em um caso específico; já os falsos interesses decorrentes da influência e a troca de favores retratam venalidade permanente que enjoam até o verme. Muitos são os magistrados que honram a toga e orgulham o Poder Judiciário Nacional e é esse o incentivo que comanda a luta por justiça. Aprendendo a lição dos grandes homens, cumpre relembrar: conhecendo os problemas que afligem a Justiça, se pode resolvê-los. A oficialização das serventias judiciais em todos os Estados da Federação é uma necessidade voltada para o barateamento ou o ideal de gratuidade do acesso à Justiça, ideal que deve ser perseguido com todas as forças, sob pena de se estimular a renúncia aos direitos. Reconhece-se que o Estado não atende com eficiência as questões relativas à saúde pública, a segurança pública é deficitária e é notório o descaso com a educação. Parece, todavia, que , com relação ao problema da Justiça, a solução não esteja na delegação dos serviços judiciários. Nas serventias não oficializadas, os valores para ingresso de uma ação são muito elevados, o que é prejudicial à efetiva prestação da tutela jurisdicional ao cidadão mais humilde e desprovido de capacidade econômica. Não se desconhece que as serventias oficializadas igualmente têm prestado serviços deficitários por não estarem sendo contempladas com a devida atenção. Entretanto, aquelas serventias não oficializadas só servem aos que podem despender o alto valor das custas e ainda assim prestam um serviço insatisfatório. Fossem esses valores revertidos, em parte, para a prestação de um serviço de qualidade, até se justificaria a manutenção.

Atualmente, os juízes que atuam nessas serventias não oficializadas como no exemplo paranaense das Varas Cíveis, Fazenda Pública – Falências e Concordatas, dentre outras, acabam por laborar como “empregados qualificados” do escrivão ou secretário, que é o “dono do cartório”. O serventuário – chefe de secretaria ou escrivão – é que mantém os funcionários, estagiários, os computadores e os telefones; para não haver inversão na ordem natural das coisas, deveriam os escrivães trabalhar no ambiente do juiz e, em todos os casos, ser remunerados pelos cofres do Poder Judiciário. É de todo inconveniente que sejam os “donos do cartório” e retirem seu sustento do pagamento das elevadas custas judiciais. Tal é pressuposto do princípio da economia processual, até mesmo economicamente considerado. A privatização e a administração moldadas no sistema privado atendem ao sistema econômico, mas não atendem aos interesses da justiça social que se idealiza. O cidadão quer um serviço público barato e de qualidade a que possa ter acesso, o que, no caso das serventias delegadas tem sido obstado. Enquanto as serventias judiciais não forem oficializadas, a população só terá acesso gratuito à justiça nos juizados especiais. Observa-se, ainda, na justiça tradicional, a agravante da precariedade com que funcionam as defensorias públicas.

A reversão das custas aos escrivães, além disso, como se ressaltou, inverte os papéis. O escrivão, como dono do negócio é que cobra produção do magistrado. Quanto melhor os juízes trabalharem, quantitativamente, mais crescerá o lucro da serventia e, por conseguinte, o poder econômico do dono. Além dessas incongruências, ainda há outras: na medida em que o escrivão retira seu salário das custas, quanto mais abarrotadas de processo estiverem as varas, mais ele lucra; tal situação tem, inclusive, prejudicado as propostas encaminhadas pelo Tribunal de Justiça ao Poder Legislativo para a criação de novos juízos.

Roberto Portugal Bacellar

é presidente da Associação dos Magistrados do Paraná.

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