O Poder Familiar e a inovadora Lei nº 3.849/06, do DF

A notícia da vigência de Lei no Distrito Federal (Lei n.º 3.849, de 27 de abril de 2006) que obriga os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, da rede pública ou privada, a enviar todas as informações sobre a vida escolar de seus alunos a ambos os pais, conviventes ou não, me despertou a reflexão, mais uma vez, sobre a importância da participação do pai (ou mãe) não-guardião (de fato ou de direito) na vida do filho.

Isto porque, vejo esta participação como indispensável ao efetivo cumprimento das funções inerentes ao poder familiar (antigo pátrio poder), impostas pela lei aos dois pais, em igualdade de condições (CF, 229, e CC, art. 1.631), e que se colocam como da mais alta relevância ao pleno desenvolvimento e capacitação do filho para a vida adulta, considerado o poder familiar como o vértice e centro do sistema civil de proteção à criança e ao adolescente, tanto do ponto de vista sociológico como jurídico, paradigma e ponto de referência de todas as outras figuras de proteção do incapaz.

Já afirmei, em outras oportunidades,(1) que conferir a guarda do filho a um dos pais, quando não convivem, é providência necessária e inafastável,(2) também para que se discriminem os encargos de um e outro e para que o filho saiba sob responsabilidade de quem está, quem lhe dirige os interesses imediatos e lhe vela a educação, e a quem deve obediência, num primeiro momento.

Ocorre que a guarda assim atribuída não implica, por óbvio, em exercício absoluto e unilateral da função paterna,(3) já que o outro pai não é excluído da vida do filho,(4) senão que também conserva deveres e direitos com relação a ele, sem dizer que permanece inalterada a investidura no poder familiar em face de ambos os pais, inclusive no que tange ao não-guardião.

Se o interesse do filho é o princípio norteador das disposições relativas ao poder familiar e se a CF reconhece à criança e ao adolescente o prioritário direito à convivência familiar (CF, art. 227, caput), é evidente que não se poderia admitir a exclusão de um dos pais da vida do filho tão somente pelo fato da não-convivência do casal de pais.

Assim, o pai não-guardião, além de continuar titular do poder familiar (tanto quanto o pai guardião), conserva faculdades e obrigações de significativa importância para a relação paterno-filial e, dependendo do modo como as exercer, pode manter ativa e importante participação na vida do filho, também íntegro o vínculo estabelecido com ele, diminuindo sensivelmente o prejuízo havido em virtude da não-convivência.

Dentre tais obrigações se destacam o dever de sustento,(5) a prerrogativa de autorizar a prática de atos em que se exige a participação efetiva de ambos os pais,(6) o direito/dever de visita, de ter o filho em sua companhia, bem como o de fiscalizar sua manutenção e educação.(7)

E é aqui que se afigura louvável a Lei n.º 3.849/06, do Distrito Federal,(8) na medida em que, em seu art. 1.º, abre a possibilidade de um novo espaço à relação paterno-filial, legitimando a incursão do pai não-guardião na vida do filho fora dos momentos da visita (que, de regra, são bastante restritos e rigorosamente controlados), independentemente de intervenção judicial ou de autorização do pai guardião, favorecendo e estimulando o pai não-guardião a tomar parte, de modo ativo e continuado, de todo o processo de ensino e aprendizagem a que o filho é submetido na escola, elemento de extrema importância à construção da personalidade do filho.

Destaque, também, ao art. 2.º da Lei, que permite o pleno acesso ao pai não-guardião às instalações físicas da escola, bem como aos projetos pedagógicos, quando se sabe que, muitas vezes, o pai guardião chega a proibir expressamente o ingresso do outro pai na escola, inclusive o contato dele com o filho no local, ordem que, de regra, é obedecida pela escola.

Merece aplausos o Legislador do Distrito Federal – que inclusive superou veto do Governador do Estado – pela norma inovadora e salutar, que seguramente vai reverter em benefício de inúmeras crianças e adolescentes privados da convivência com um dos pais sem maiores questionamentos ou cautelas, assegurando a eles, ao menos no âmbito escolar, senão a possibilidade de efetivo apoio e maior envolvimento de ambos os pais, ao menos a riqueza e a alegria da presença deles na escola, tudo levando ao melhor desempenho das funções inerentes ao poder familiar e no manifesto interesse do filho.

Notas

(1) Em Do poder familiar. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.

(2) Ressalvada a possibilidade da guarda compartilhada, solução que vem ganhando cada vez mais espaço, particularmente na doutrina, e que visa justamente superar os inconvenientes da guarda unilateral.

(3) Paterna no sentido de parental, relativa ao pai e à mãe (e não relativa a figura masculina do pai).

(4) Salvo em casos especiais, quando existem fundadas razões para restringir a relação do não-guardião com o filho.

(5) De conteúdo bem mais amplo que a obrigação de alimentos, eis que inclui tanto o suporte econômico, como também os cuidados e a assistência direta ao alimentado.

(6) Concessão de emancipação, autorização para o casamento e para viajar ao exterior, nomeação de tutor e adoção.

(7) CC, 1.589.

(8) Atente-se que a norma não é dirigida aos pais (o que implicaria legislar em campo privativo da União), mas de natureza administrativa aos estabelecimentos de ensino.

Denise Damo Comel é doutora em Direito, juíza de Direito da 1.ª Vara da Família de Ponta Grossa, professora na Escola da Magistratura do Paraná Núcleo de Ponta Grossa.

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