O poder de fogo

O presidente Lula disse no Quilombo dos Kalungas, interior de Goiás, que o Estado brasileiro está dominado por quem tem poder de fogo. “O Estado brasileiro está subordinado àqueles que têm mais poder de fogo, conseguem audiência com o presidente, os governadores e os prefeitos e ganham mais em detrimento dos que ganham menos”, filosofou o ex-metalúrgico. Em outro trecho, alertou que o Brasil precisa de “homens sérios”, gente que tenha a coragem de “olhar na cara do povo e dizer não com a mesma coragem que diz sim”.

Falou de improviso, é claro. Pois se tivesse pensado um pouco mais, não teria dito tudo o que falou. Afinal, neste Brasil que se subordina aos que têm mais poder de fogo, Lula está no topo do poder. Bastaria uma ordem sua para deixar os poderosos esperando na ante-sala, enquanto dava atendimento aos segregados de sempre. Estes, entretanto, nem sabiam que a agenda era feita por um senhor chamado Waldomiro, apelidado de “ministro” sem ter pasta, nem filiação, nem nomeação.

Vai daí que o gongorismo continua a ser o estilo predileto de Lula, o presidente das metáforas. Os que ganham mais em detrimento dos que ganham menos estão no Palácio ao lado. Nem por isso Lula tratou de melhorar o salário mínimo, como era a esperança de milhares de trabalhadores que apostaram no ex-companheiro. Aliás, o volume de desempregados agora é maior. E, nos últimos meses, o valor do trabalho continuou caindo pelas ladeiras da recessão, enquanto o Estado sob seu comando nada fez para impedir que os tetos salariais da República não fossem elevados ainda mais, exigindo mais da contrapartida tributária sugada do bolso dos contribuintes. Assim, haja coragem para olhar na cara do povo e dizer não com a mesma candura do sim…

Despiciendo também, do ponto de vista do Planalto, seria a parte do discurso em que o presidente observa que o Brasil está carente de homens sérios. Mas esta é a parte verdadeira do discurso, que escapou, certamente, por vício de linguagem. Pois ninguém é sério no Planalto, então? Bem que aqui na planície alguém aventava essa possibilidade, assaltado pelas dúvidas de sempre.

A seriedade dos homens está assentada também na sua coerência. O PT do presidente, antes de chegar ao poder, demonstrava-se paladino da moralidade, da ética e de princípios outros que, como agora, aponta estar carente o Brasil das negociatas, do jeitinho e das bravatas. Acreditando nessa verdade irretorquível, o povo brasileiro resolveu apostar, dando aos críticos de então a oportunidade de mudança.

Nem tudo mudou, como se sabe desde o começo. Mas quem tem pressa come cru, dizia o presidente ao pedir paciência enquanto continuava prometendo começar tudo do zero. E outra vez créditos lhe eram concedidos, assim como lhe foi perdoada a promessa feita de improviso de que o espetáculo do crescimento – e a conseqüente geração de empregos – deveria começar, com grande rumor, no início da segunda metade do ano que passou. O tempo das vacas magras já passou, repetia depois, tentando exorcizar, por decreto, a teimosia dos fatos.

Com o Carnaval baixou sobre Brasília um dilúvio chamado Waldogate. Inundou salas e ante-salas do gabinete presidencial de dúvidas, suposições, questionamentos, certezas. Pertenciam todos, trataram logo de dizer, a período passado. Essa “herança maldita” de fundos de campanha, envolvimento com o submundo da jogatina, tráfego pesado de influência para negociação de emendas parlamentares e também para garantir contratos, etc., etc., etc. Alguns deles comprovados, outros em fase de comprovação, sabe-se que o braço-direito e amigo íntimo do principal ministro do governo, José Dirceu, continuou atuando já dentro do governo Lula, com a mesma desenvoltura. Aliás, com mais desenvoltura (e autoridade) do que antes. O governo, entretanto, usou toda a força que tinha, e reuniu mais entre antigos desafetos, para evitar a investigação política no Congresso.

Lula tem razão: o Brasil precisa de homens sérios. E com poder de fogo.

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