O perigo Palocci

O jornal espanhol ABC, fazendo uma análise do quadro político-sucessório brasileiro, diz que o mito Lula está desaparecendo. O noticiário da BBC de Londres dá repercussão a tal análise, que, aliás, pode ser percebida mesmo pelos brasileiros que nele votaram e ainda o admiram. A despeito da crise política e moral que cercou e até adentrou o seu governo e atingiu em cheio suas hostes políticas, Lula mantém uma forte dose de prestígio popular. Forte o suficiente para reeleger-se. As pesquisas assim apontam sua posição, embora existam números recentes que indicam decadência e ascensão do principal candidato da oposição, o tucano Geraldo Alckmin. O governador paulista ainda apresenta percentuais modestos de preferência popular, o que se explica porque é candidato recém-lançado e escolhido contra a posição da maioria dos seus correligionários. Estes preferiam a candidatura de José Serra. Mas, pelo simples fato de já ser candidato chancelado pelo PSDB, Alckmin já subiu vários pontos nas escalas das pesquisas e, salvo algum acontecimento excepcional, a tendência é que continue em ascensão.

Se esse crescimento será ou não suficiente para garantir-lhe a vitória contra Lula, é uma incógnita. Entretanto, o atual presidente não pode confiar apenas num decréscimo lento de seu prestígio, que não chegue à data do pleito em patamar suficiente para castigá-lo com a derrota. Precisa, e isso é evidente e ele sabe, cuidar de mostrar serviço ao povo e manter um governo de ocaso de mandato que tenha uma razoável confiança da nação. Senão, acelera-se sua perda de prestígio, seu mito míngua e entrega a cobiçada cadeira do Planalto ao adversário.

Antônio Palocci, ministro da Fazenda da inteira confiança de Lula, de quem foi o coordenador da campanha vitoriosa que levou o metalúrgico à Presidência da República, se mantido no cargo, como deseja o presidente, é um risco muito sério. Nas últimas semanas, o titular da Fazenda vem sendo alvo de repetidas denúncias de participação em conchavos com ex-assessores, seus auxiliares quando prefeito de Ribeirão Preto. Esses encontros envolveriam negócios duvidosos, senão escusos, e alguns dos participantes de tais encontros já figuram como indiciados na CPI dos Bingos. O grupo se reunia numa casa alugada especialmente para os encontros do grupo, em Brasília. Palocci negou que lá tenha estado, mas uma testemunha afirma que o viu por pelo menos dez vezes entrando no local para encontros com a turma.

Esse episódio vem servindo para uma tentativa de indiciar o ministro na CPI e para pedidos de que seja demitido do cargo. Lula o apóia abertamente e nega-se a demiti-lo. Pelo menos é o que se noticia.

Ocorre que também e principalmente contra a política econômica de Palocci é que explodem as maiores críticas dentro do PT, do governo, da igreja, da oposição e do empresariado. A política econômica, chancelada até aqui por Lula, que nessa sustentação já começa a fraquejar, é considerada neoliberal ultra-ortodoxa, responsável pelo fraco desempenho da economia nacional e pela permanência do aflitivo quadro de desemprego. Para rechear o discurso dos que a ela se opõem, há ainda o argumento de que se trata de uma política para satisfazer os credores, principalmente os externos, e instrumento utilizado para beneficiar o sistema bancário.

Que Lula tenha confiança irrestrita no seu ministro da Fazenda e queira manter Palocci no cargo é compreensível. Não se espera, entretanto, que o preço dessa lealdade seja arriscar uma derrota nas eleições de outubro.

Os mais recentes comentários levam a crer que, por isso tudo, está havendo uma ?fritura? do todo-poderoso ministro e que ele próprio já teria afirmado a pessoas de sua intimidade que está tentado a pedir demissão. O problema, para a nação, é que o tempo para uma mudança efetiva na política econômica já se esgotou. O que o governo Lula não fez, não terá mais tempo de fazer.

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