O perigo da ?filholatria?

Não há como negar, adesivos de automóvel já se consagraram como um grande (e eficaz) meio de se dizer idiotices. Dentre outras mensagens estapafúrdias, uma sempre me chama a atenção: ?vida preciosa a bordo?. Primeiro, por que a vida do filho seria mais preciosa que a dos pais? Segundo, qual vida não é preciosa? Isso, na verdade, traduz perfeitamente o sentimento da ?filholatria? em outras palavras, o culto desmedido à própria cria que parece reger as atuais relações entre pais e filhos.

Houve um tempo em que criança, como diziam, não tinha querer. Mas hoje os tempos são outros, e as crianças estão no comando, tanto que a indústria de bens e serviços voltados a elas (e aos adolescentes) não pára de crescer, pois já se percebeu que os pais não medem esforços para manter seus filhos ?atualizados?, dando-lhes sempre do bom e do melhor. Com isso, os pais, de tão orgulhosos e esperançosos com o maravilhoso futuro que esperam para seus filhos, não passam de meras sombras espectrais da própria cria.

O ser humano, não canso de repetir, é um animal. E como todo animal, tem o seu instinto de sobrevivência. E cada vez que os filhos têm a vida facilitada pelos pais, retira-se deles a possibilidade de crescimento e aprimoramento do seu instinto de autopreservação. E como esse é o padrão de comportamento dominante, está surgindo uma geração de autênticos ?bananas?. Adultos que, embora detenham grande conhecimento cultural e científico (isso sendo otimista), são incapazes de comandarem a própria vida, em face da imaturidade emocional de que padecem. E o resultado disso é a chamada superadolescência, a qual começa muito cedo, por volta dos dez anos, e termina depois dos trinta (quando termina).

Para os pais, contudo, é muito difícil visualizar onde termina o afeto e onde começa a superproteção; ou, onde termina a indulgência e onde começa a disciplina. É um dilema, sem dúvida. Na teoria, a coisa é simples (há livros e mais livros sobre o tema), mas, na prática, a situação é sempre mais complicada porque, via de regra, os pais (como qualquer pessoa) são inseguros afetivamente.

A partir dos anos oitenta, os pais julgavam ter a chave do conhecimento para criarem seus filhos, a saber, fazer diferente do que fizeram as gerações anteriores, onde as crianças eram criadas com muita disciplina e pouco afeto. O erro detectado nessas gerações foi a falta de afeto, porém passou despercebido um grande acerto desse antigo método: comprometimento e responsabilidade. E se os filhos de hoje têm o tão esperado afeto não há, de outra parte, comprometimento e, menos ainda, responsabilidade.

Então, a questão central seria a incapacidade dos pais em administrar emocionalmente a dura realidade de que os filhos têm uma existência autônoma, com as próprias vitórias e derrotas. É uma observação básica e óbvia, porém desesperadora diante de um mundo cada vez mais hostil. E surge, finalmente, a pergunta fatal: os pais são excessivamente interessados na vida dos filhos somente por amor ou, mais ainda, por causa da imensa insegurança que sentem em relação à vida?

 Djalma Filho é advogado  

djalma-filho@brturbo.com.br

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