O pensamento “muito vivo” de Henry Louis Mencken

Se fosse possível colocar, num liqüidificador metafórico, Voltaire, Swift, Ambrose Bierce, Oscar Wilde e Bernard Shaw, o “suco” resultante só poderia ter um nome: H. L. Mencken (1380-1956).Foi assim mesmo que ele se assinou a vida inteira.

Expoente da “inteligentzia” norte-americana, sempre discutido, contestado e até mesmo execrado, mestre supremo na arte de criar desafetos, Mencken foi jornalista (repórter, colunista, cronista, editorialista), crítico, ensaísta, pensador, filólogo, editor e, “last but not least”, humorista. Mas foi antes de mais nada escritor primoroso, exercitando uma prosa ágil, cintilante, em cuja textualidade se atropelavam as metáforas, com a luminosidade feérica dos fogos de artifício em céu negro, numa pirotecnia a um só tempo fascinante e avassaladora.

Cultivou premeditamente um “antismo” sistemático, que o colocou no “index” de inúmeras pessoas e instituições. Foi anti-marxista, anti-democrata, anti-religioso, anti-humanista. Chegou a ser até anti-menckeniano, com as suas freqüentes auto-críticas. Sem dúvida, procurava “épater le bourgeois”. E conseguia, evidentemente.

Seu humor, talvez a faceta mais brilhante do poliedro criativo, tanto podia ser fino e sutil, como desabusado e grosseiro. Mas Mencken soube ainda exercitar a ironia cáustica, o sarcasmo contundente, o criticismo ácido, quando não viperino. Tudo isso municiava a sua metralhadora giratória sempre vomitando fogo, chumbo e enxofre.

Crítico social por execelência, até hipercrítico, adversário figadal do “establishment”, inimigo do “american way of life”, da hipocrisia farisaica dos puritanos, da politiquice e da politicagem, das maracutaias da alta finança, tinha às vezes a postura de um mosqueteiro usando com galhardia a espada ou o floreste, e outras, a de um ferrabrás do sub-mundo manipulando o cacete. Para imaginar alguém semelhante a Mencken dentro das fronteiras do nosso condomínio lingüístico, teríamos que colocar no liqüidificar retromencionado o Eça das Farpas, o Fialho de Almeida de Os Gatos, o Machado de Quincas Borba, mais o Agripino Grieco e o Nelson Rodrigues. O “suco” produzido podia muito bem chamar-se H. L. Mendes…

Muitas vezes desagradável, irritante, auto-suficiente, incendiário, até cruel, espécie de quadrúpede disparando coices e patadas em todas as direções, era, não obstante, saboroso, sugestivo, interessante. Sua opinião sobre a democracia, por exemplo, era uma fenda na muralha da quase unanimidade pensante. Escrevia ele: “Adoro imensamente a democracia. Ela é incomparavelmente idiota e, por isso mesmo, tão divertida. Acaso ela não exalta os imbecis, os medíocres, os covardes, os oportunistas e os pilantras? Sim, mas a tortura de vê-los subir na vida é largamente compensada pelo prazer de vê-los cair do galho…”.

Mencken orgulhava-se de nunca ter feito um elogio a qualquer presidente americano. Franklim Delano Roosevelt, o artífice do “New Deal”, foi um dos que sentiu na carne as afiadas garras menckenianas. “FDR não passa de um demagogo que promete transformar os EUA numa vaca leiteira com 120 milhões de tetas” (era essa a população americana na época). Mais um “picle” azedo, carregado de pimenta, sal e vinagre: “Se FDR imaginar que a sua conversão ao canibalismo lhe rende votos, não terá dúvidas: mandará logo engordar um missionário no quintal da Casa Branca, para servi-lo no jantar de próxima quinta-feira”. Era fogo, o Mencken!

Cético, cínico, pessimista, ranzinza, amargo, parecia detestar cordialmente o “homo sapiens”. Escrevia ele, numa das suas crônicas: “O homem talvez seja uma doença localizada no cosmos – uma espécie de eczema pestífero. Existem, é claro, diversos graus de eczemas, assim como há diferentes tipos de homens. Sem dúvida, um cosmos afligido por uma infecção de Beethovens jamais precisaria de um médico. Mas um cosmos infestado por socialistas, comunistas, escoceses e corretores da Bolsa, deve sofrer como o diabo…”. Como os seus mais ilustres “ancestrais”, Voltaire, Swieft, Bierce, Wilde e Shaw, foi Mencken um “frasista” excepcional. Arrolo em seguida um série dessas frases, colhidas “à vol d’oiseau”, embora, confesso, discorde do teor “ideológico” de quase todas. Aí vão elas, devidamente numeradas, para caracterizar devidamente a autonomia de cada uma.

1) Não deixe que seus inferiores lhe façam um favor. Ele poderá custar muito caro. 2) A consciência é uma voz interior que nos adverte de que alguém pode estar nos observando. 3) A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos. 4) Digam o que disserem sobre os Dez Mandamentos, devemos nos dar por felizes por eles serem apenas dez. 5) Mostrem-me um puritano e eu lhes mostrarei um f. da p. 6) O principal conhecimento que se aprende nos livros é o de que poucos livros merecem ser lidos. 7) O que é um cínico? Aquele que, quando sente o cheiro de flores, olha em torno, à procura de um caixão. 8) Quanto mais envelheço, mais desconfio da antiga máxima de que a idade traz a sabedoria. 9) Padres e pastores são cambistas esperando fregueses diante dos portões do Céu. 10) Numa coisa, pelo menos, homens e mulheres estão de acordo: nem elas nem eles confiam nas mulheres…

Espero que as citações não tenham sido poucas – nem demais. Seja como for, penso que elas são mais do que suficientes para revelar quem foi um quase desconhecido ilustre, que se chamou Henry Louis Mencken, mas sempre se assinou H. L. Mencken.

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