O pedido de falência por iniciativa do credor no Projeto de Lei n.º 4.376/93

O Projeto de Lei n.º 4.376/93, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e falência está atualmente no Senado Federal (mais precisamente na Comissão de Assuntos Econômicos, tendo como relator o Sen. Ramez Tebet), sendo que o trabalho presente abordará a questão da falência requerida pelo credor. Inicialmente, o vetusto Decreto-Lei n.º 7.661/45 não tem preocupação quanto ao interesse social da empresa, e muito menos observa o princípio da preservação da entidade. Tanto é verdade que, preenchidos os requisitos legais (especialmente comprovação do crédito), poderá o credor requerer a decretação da falência do devedor, pouco importando o valor do crédito (em se tratando do art. 1.º do atual texto). Portanto, a atual legislação lida apenas com a questão patrimonial, ou seja, prepondera os interesses dos credores sobre os da empresa. O projeto de lei em comento pretende preservar o interesse social dos bens de produção previstos expressamente na Constituição Federal, tanto é que dá ênfase para a recuperação judicial da empresa (busca-se quanto possível a reorganização econômica da empresa e com isso poderá haver a manutenção de empregos, geração de tributos e não sucateamento de bens).

O projeto de lei, portanto, dá novo enfoque ao assunto, e ainda adota o sistema da impontualidade do devedor. É que, buscando frear a verdadeira enxurrada de pedidos de falência com o nítido propósito de cobrança (e não de retirar a empresa deficitária do mercado), o legislador criou mecanismos próprios para que o credor possa ingressar com tais requerimentos. A caracterização da falência vem prevista no art. 81, onde trata da impontualidade propriamente dita (inciso I) e da insolvência presumida (incisos II e III). De ressaltar que no Dec.-Lei n.º 7.661/45 a impontualidade é prevista pelo art. 1.º enquanto que o art. 2.º trata da prática de atos de insolência. A verificação judicial de contas contida atualmente no parágrafo primeiro do art. 1.º da lei falimentar não está sendo abarcada pelo projeto de lei em análise.

Pelo rito do inciso I do art. 81 do projeto, caso o pedido de falência tenha como base a impontualidade injustificada do devedor, deverá haver prova de que a soma da dívida líquida constante de título executivo ultrapassa o equivalente a quarenta salários mínimos vigentes no país, considerado o valor originário do débito. O legislador fez questão de esclarecer o que vem a ser considerada “obrigação líquida”, no art. 82 do projeto. Tal obrigação seria aquela constante de títulos executivos judiciais e extrajudiciais regularmente protestados. Em seu parágrafo único o art. 82 estabelece que, ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não se possam reclamar. Ora, obrigação líquida é aquela certa quanto a existência e determinada quanto ao objeto. O credor deverá instruir o pedido com instrumento que represente a dívida, com um ou mais títulos de cunho executivo, devidamente protestados, inclusive de titularidade de terceiros. Também deverá ser juntada certidão de protesto contra o devedor, em período de 90 (noventa) dias anteriores à data do ajuizamento do pedido. Portanto, além de título onde figure o requerente como credor, este também deverá fazer prova inequívoca que o devedor também está inadimplente, com títulos protestados, em relação a terceiros. Como dito inicialmente, a idéia do legislador é inibir pedidos de falência, estabelecendo valor mínimo para a propositura da ação, e que a isso se somem outros requisitos legais. As excludentes (ou seja, as relevantes razões de direito para não pagar a obrigação) estão elencadas no art. 83 (atual art. 4.º), sendo que o inciso VI abre a possibilidade de outras defesas, por parte do devedor. Ressalte-se que tais excludentes se referem única e exclusivamente às hipóteses elencadas no art. 81, inciso I e II, sendo que o inciso III não está incluído. Portanto, a matéria de defesa não é exaustiva. O saudoso Nelson Abrão, no que se refere ao art. 4.º do atual texto normativo, já explicava que o inciso VIII abre ensejo a argüição de outras matérias de defesa (litispendência, coisa julgada etc.).

No que diz com os atos de insolvência, estão elencados nos incisos II e III do art. 81 do projeto. Saliente-se que o inciso II trata da execução em face do devedor, na qual não há pagamento inicial e muito menos depósito e nomeação de bens no prazo legal. Os atuais sete incisos do art. 2.º não sofreram grandes modificações, sendo que a novidade está na letra d do art. 81, que estabelece o seguinte: “simula a transferência de seu principal estabelecimento para burlar a legislação ou a fiscalização, ou prejudicar credores”.

Para que haja a decretação da falência com arrimo no inciso II do art. 81, deverá o credor instruir o pedido com a certidão expedida pelo cartório onde se processa a execução. Basta, portanto, a certidão explicativa, inexistindo necessidade de juntada integral de cópia do processo de execução.

No que diz com as hipóteses elencadas no inciso III, o credor deverá especificar circunstanciadamente os fatos que as caracterizam, fazendo a juntada de provas e indicando aqueles que pretende produzir no curso da demanda. Deverá, outrossim, observar e cumprir a regra estabelecida pelo art. 282 do Código de Processo Civil. Tal inciso III repisa o contido no atual art. 12 do Dec.-Lei n.º 7.661/45.

Estabelece a norma do art. 88 que o devedor poderá, a qualquer tempo, requerer ao juiz seja decretada a própria falência (autofalência), conforme regramento previsto pelo art. 107 (atual art. 8.º).

No que se refere ao procedimento pré-falimentar, e para a hipótese elencada no art. 81, inciso I, em sendo proferido despacho inicial positivo, determinará o juiz seja o devedor citado para quem no prazo de 5 (cinco) dias apresente defesa (tecnicamente é incorreto pedir a citação para que pague no prazo de lei, cabendo ao juiz determinar seja a inicial emendada), conforme dispõe o art. 85. Houve, aqui, dilação do prazo, que atualmente é de 24 horas. Considerando que é de 5 dias o prazo para apresentação de defesa, terá início após a juntada do mandado devidamente cumprido. Quanto aos incisos II e III do art. 81 estabelece o projeto de lei que aplicar-se-á, no que couber, o disposto no art. 85 (de acordo com os artigos 86, p. único e 87, p. único). Quanto ao art. 81, inciso I, devidamente citado o devedor poderá agir da seguinte forma: quedar inerte; pagar (depósito elisivo, com atualizações necessárias; honorários de advogado e despesas do processo); depositar o valor devido e concomitantemente apresentar defesa ou somente apresentar defesa.

Conforme art. 85, § 2.º, em sendo argüida matéria constante do art. 83, poderá o juiz conceder o prazo de 10 (dez) dias para que o devedor faça prova de sua defesa. A nosso ver, cabe audiência de conciliação (prevista no art. 331 do Código de Processo Civil), até mesmo porque o juiz deve ter como norte os princípios da preservação da empresa e função social da entidade. Poderá, sendo argüida matéria relevante, ser deferida a ampla dilação probatória (observados os princípios da bilateralidade de audiência de devido processo legal substantivo). Atualmente o prazo para a prova é de 5 dias, conforme art. 11, § 3.º do Dec.-Lei n.º 7.661/45. Evidentemente, só a análise do caso concreto pelo juiz poderá dar os rumos do procedimento pré-falimentar. As demais questões envolvendo o procedimento serão tratadas em matéria futura.

Em conclusão, no que se refere a essa etapa do processo de falência, a evolução que a nosso sentir ocorreu foi a limitação imposta para que o credor peça a falência que, como visto, em se tratando de impontualidade somente dará azo caso preenchidos vários requisitos legais. Com isso, certamente estancará a lei a avalanche de pedidos de falência, pedidos esses com nítido caráter (em grande parte), de cobrança de dívida.

Carlos Roberto Claro

é especialista em Direito Empresarial; professor assistente de Direito Falimentar e Societário das Faculdades Curitiba.(
carlos@calixtoclaro.com.br)

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