O passivo ambiental

No setor empresarial é comum as empresas realizarem auditorias e inventários quando estão a negociar suas ações ou quotas sociais no mercado. Assim, antes de qualquer transferência desses títulos, costuma-se proceder a apuração dos débitos trabalhistas, tributários e comerciais, a fim de que o novo titular não se surpreenda, posteriormente, e venha, efetivamente, a pagar justo preço na negociação.

Realizadas tais averiguações, o conjunto de dívidas e obrigações que restarem apuradas será denominado de passivo.(1) Tem-se, pois, o passivo trabalhista, o passivo tributário, o passivo comercial, todos designativos desse conjunto de débitos e obrigações empresariais.

Recentemente, em face da conscientização ambiental que vive a sociedade, como também por força da rigidez da legislação deste novo ramo do Direito, ensejando severas indenizações, o mercado vem firmando a idéia, também, do passivo ambiental.

Para o professor Paulo Roberto Pereira de Souza, o passivo ambiental pode ser considerado como “um conjunto de infrações e agressões ao meio ambiente, cuja degradação irá exigir grandes investimentos futuros para a sua recuperação ou restauração.”(2)

Marcelo Vieira Von Adamek afirma que passivo ambiental consiste no “conjunto de dívidas e encargos monetariamente apreciáveis, atuais ou meramente contingentes, decorrentes do descumprimento de deveres impostos por normas do sistema jurídico ambiental e que oneram um patrimônio ou uma universalidade jurídica.”(3)

Passa-se, na atual quadra, a considerar não só os aspectos tradicionais do passivo, vinculados a encargos trabalhistas, tributários e mercantis. Consideram-se, nesta nova fase, as condutas lesivas ao meio ambiente, as quais podem ensejar obrigações ou sanções – civis, penais ou administrativas – aos novos sócios ou acionistas.

Sob o temor de vir a responder futuramente pelos danos ao meio ambiente perpetrados pelos anteriores representantes da sociedade mercantil, o pretendente à aquisição dessas ações ou cotas sociais realiza, desde logo, auditorias no sentido de apurar os custos necessários à prevenção e resolução das situações adversas junto ao meio ambiente.

Como forma de atingir sua finalidade, deve-se constar dessas auditorias os níveis potenciais e efetivos dos danos ambientais; as medidas necessárias para se reverter a situação; a avaliação dos custos necessários na utilização dos equipamentos e na mão-de-obra para execução das atividades de reparação ou de prevenção, dentre outros aspectos que variam de caso a caso. Busca-se, com isso, sanar os danos ambientais ocorrentes e, concomitantemente, incrementar uma política preventiva, internalizando-se os custos ambientais no processo produtivo, o que está em simetria com o princípio do poluidor-pagador.(4)

A princípio, a responsabilidade pelo passivo ambiental está a cargo do próprio agente degradador, ex vi do artigo 3.º, inciso IV, da Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, combinado com artigo 1.518, primeira parte, do Código Civil. Em caso de fusão, incorporação ou cisão, no entanto, a nova sociedade mercantil resultante dessas operações é que responderá pelo passivo ambiental, mesmo porque assim rege a legislação pertinente, conforme dispõe a Lei das Sociedades Anônimas.

Apesar de estar recebendo aplicação no setor empresarial, nada impede seja a técnica do passivo ambiental também empregada nas transações envolvendo particulares, sobretudo em caso de imóveis, urbanos ou rurais.(5) Ressalte-se, no entanto, que nessas transações o novo proprietário poderá responder conjuntamente com o anterior, haja vista a regra da solidariedade presente na responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.

A adoção do passivo ambiental importa evolução na tomada de consciência pelos setores do mercado quanto à temática ambiental, bem como importante instrumento preventivo e reparador a danos ambientais. Ao mesmo tempo, auxilia na viabilização da delimitação da responsabilidade civil, porquanto impede alegações como desconhecimento dos danos ambientais, ou mesmo das técnicas preventivas possíveis de utilização no caso concreto. Além disso, tomando conhecimento da existência de auditorias com vistas a apurar o passivo ambiental, as autoridades competentes, e.g., Poder Executivo, Ministério Público ou Poder Judiciário, poderão requisitar os respectivos trabalhos para melhor análise dos fatos eventualmente em análise. Enfim, a incorporação do passivo ambiental denota avanço na área ambiental que se vê guarnecida por mais este mecanismo preventivo, e também útil à reparação do dano ambiental.

Notas

(1) Para De Plácido e Silva, passivo, como “terminologia técnica das finanças e da contabilidade, exprime o conjunto de encargos a serem suportados por uma pessoa, seja esta física ou jurídica, encargos estes apreciáveis ou representados por dinheiro”. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, v. II, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 1.128.

(2) SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O Direito Brasileiro, a Prevenção do Passivo Ambiental e seus Efeitos no Mercosul. Scientia Iuris, Londrina, v. 1, n. 1, p. 117-151, jul./dez. 1997.

3) ADAMEK, Marcelo Vieira Von., ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Passivo Ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de. (Coord.). Direito Ambiental em Evolução 2.Curitiba: Juruá, 2000.

(4) Nesse sentido, Michel Prieur: “o princípio do poluidor-pagador inspira-se na teoria econômica segundo o qual os custos sociais que acompanham a produção industrial (dentre os quais os custos resultantes da poluição) devem ser internalizados, isto é, suportados pelos agentes econômicos dentre de seus custos de produção”. PRIEUR, Michel. PRIEUR, Michel, Droit de L’environnement. 3. ed. Paris: Dalloz, 1996, p. 135.

(5) Questão importante, nesse particular, ocorre em relação às áreas de preservação permanente e de reserva legal envolvendo imóveis rurais. Havendo a implementação do passivo ambiental em transações imobiliárias rurais o novo proprietário estaria resguardado de eventuais ações judiciais sobre a matéria.

José Ricardo Alvarez Vianna é juiz deDireito do Paraná e mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. e-mail:

jricardo@sercomtel.com.br.

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