O papel do farmacêutico

Nestes tempos em que a medicina e o mundo dos medicamentos estão cada vez mais complexos e custosos, e o dia-a-dia em sociedade mais difícil, competitivo e corrido, os farmacêuticos têm uma importante contribuição para dar para a preservação da saúde e a qualidade de vida das pessoas.

Mais do que nunca, é necessário recuperar as funções desempenhadas pelos farmacêuticos de antigamente, aqueles que davam atenção quase pessoal aos seus clientes, os orientavam sobre o uso dos medicamentos receitados pelos médicos e mantinham contato com esses mesmos médicos, trocando informações sobre os pacientes e a evolução do seu tratamento. Nesse caso, voltar às práticas de antigamente não significa retornar ao passado, mas recuperar a atenção ao ser humano, dar maior dimensão social ao trabalho – e nada é mais contemporâneo do que isso, atualmente.

Está na hora de implantarmos no Brasil, na verdade reimplantarmos, os conceitos de atenção farmacêutica e assistência farmacêutica, práticas bastante disseminadas nos países europeus, nos quais os programas de assistência à saúde são bastante desenvolvidos e atendem à quase totalidade da população. A atenção farmacêutica são todos os atos que envolvem o relacionamento do profissional com seu cliente, resultando num atendimento de melhor qualidade e mais humano. A assistência farmacêutica, por sua vez, é a orientação que o profissional pode dar em relação à utilização de medicamentos pelos pacientes, um trabalho complementar importante ao do médico, cujo papel é prescrever.

Pondo-se em prática esses conceitos no Brasil, haverá também um enorme ganho na amplitude social do trabalho do farmacêutico. A fragilidade e a carência dos serviços de saúde no Brasil são notórias, seria até repetitivo descrevê-las mais uma vez. Pois o farmacêutico pode ajudar a minorá-la, tornando-se o responsável pelas primeiras orientações de saúde para a população que tem dificuldade de acesso aos serviços públicos – e que é maioria no País. Seria um trabalho de extrema utilidade social, tanto na periferia das grandes cidades quanto no interior.

Caminhando nessa direção, estaríamos dando uma guinada na atual tendência de desenvolvimento do atendimento farmacêutico. Hoje, no Brasil, as farmácias são mais estabelecimentos comerciais do que de saúde pública. Se os ventos continuarem a soprar na mesma direção, em breve se encontrará de tudo dentro das farmácias – até mesmo medicamentos. Os supermercados, por sua vez, há anos tentam obter amparo legal para oferecer em suas gôndolas os medicamentos OTC, que não exigem receita para ser adquiridos, proposta que no governo passado foi apoiada pelos tecnocratas do Ministério da Fazenda, em nome de preços mais em conta para a população. Convenhamos que essa proposta é, no mínimo, estranha.

A farmácia deve ser encarada como um estabelecimento de saúde pública, local onde se praticam a atenção e a assistência farmacêuticas, a que nos referimos anteriormente. Para que isso ocorra, é preciso começar já a rediscussão da legislação que regula o funcionamento dos estabelecimentos farmacêuticos e da profissão de farmacêutico. A legislação atual, por exemplo, estabelece que a farmácia é um estabelecimento comercial e se não se alterar esse conceito nada mudará.

Outra questão decisiva é garantir a presença do farmacêutico durante todo o período de funcionamento da farmácia, visto que ele é o único profissional habilitado para dar atendimento ao cliente. Um exemplo disso: de acordo com a lei, só o farmacêutico pode trocar um medicamento de referência receitado por um médico por um genérico. Hoje, boa parcela dessas trocas é realizada pelo balconista do estabelecimento, que não tem a formação profissional do farmacêutico. E esse é só um dos exemplos que podem ser citados.

A melhor forma de solucionar essas questões é estimular os farmacêuticos a encarar o desafio de voltarem a ser os protagonistas do universo do atendimento farmacêutico, tornando-se, inclusive, os proprietários dos estabelecimentos. Só dessa forma aumentarão as possibilidades de imperar nas farmácias o verdadeiro espírito do atendimento farmacêutico, sintetizado pelos conceitos de atenção e assistência.

Nós, farmacêuticos, estaremos discutindo todas essas questões no I Congresso Brasileiro de Farmácia, que acontecerá em São Paulo, dos dias 1 a 4 de outubro próximos. E pretendemos envolver toda a sociedade nessa discussão, levando-a , em seguida, para todos os fóruns pertinentes, como os executivos federal e estaduais, legislativos, ONGs ligadas à saúde e associações em geral. Nossa missão é atender à população e queremos ouvir dela, também, o que espera de nós, os farmacêuticos.

Jaldo de Souza Santos é presidente do Conselho Federal de Farmácia.

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