Com o advento da Portaria n.º 1.886/94 do Ministério da Educação, que tratou do currículo mínimo para os cursos jurídicos, criou-se também a obrigatoriedade de implantação de atividades extracurriculares, que dentre outras compreendeu o desenvolvimento da iniciação científica. De outro lado, há que se ressaltar também a obrigatoriedade da elaboração apresentação da monografia de conclusão de curso perante a uma banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo graduando.
Essa iniciativa tem por escopo introduzir no cotidiano do estudante de Direito o interesse pela pesquisa científica, e sobretudo, estimular a produção de textos científicos. Na opinião do professor José Geraldo de Sousa Jr., “a pesquisa abre a visão sobre a crise do Direito, iluminando a reflexão acerca de suas determinações, enquanto forma o novo tipo de jurista capaz de empreender, para superar a distância que separa o conhecimento do Direito, de sua realidade social, política e moral, a edificação de pontes sobre o futuro, através das quais transitem os elementos de uma nova teoria do Direito e de um novo modelo de ensino jurídico.”(1)
Não obstante, o desenvolvimento da pesquisa científica teve seu início com o método cartesiano, criado por René Descartes no célebre Discours de la Méthode, marcando dessa forma, o início do racionalismo moderno. Uma das principais características inerentes ao pesquisador científico, decorrentes do Discurso do Método, é a precisão. O estudioso que se habilita a desenvolver um trabalho de cunho científico no campo do Direito, deve ter em mente que a precisão é um elemento imprescindível para o sucesso da investigação. Nesse sentido, assevera Eduardo de Oliveira Leite que “a precisão é a regra que acompanha o pesquisador desde o primeiro momento de decisão da pesquisa, e o acompanha até o final do trabalho.”(2)
A relevância dessa premissa cartesiana se justifica devido à necessidade, senão obrigação, de se fornecer ao leitor a maior quantidade de informações sobre as fontes bibliográficas consultadas. Não é por acaso que na pesquisa científica no Direito tem-se o hábito de se fazer as referências dos autores por meio de notas de rodapé, já que possibilita fornecer maiores informações dos autores; ao contrário, v.g., do sistema autor-data.
A utilização de regras de normatização científica na pesquisa jurídica, inegavelmente evidencia a aplicação da regra da precisão. Nesse contexto, se insere a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que é a mais importante entidade encarregada de produzir normas relativas à documentação científica no país. Sua importância reside no fato de que essa entidade produz normas em consonância com os padrões internacionais para documentação científica, como também, pela produção de normas técnicas para diversas áreas.
Contudo, mister se faz ressaltar que a ABNT é uma entidade com fins lucrativos (ainda que tenha natureza jurídica de associação), e por sua vez comercializa todas as normas que produz. Por essa razão, invariavelmente essa entidade modifica alguns aspectos de determinadas normas e as reedita, tornando necessária a sua atualização. A entidade denunciou recentemente a distribuição indiscriminada de suas normas por parte dos docentes de instituições de ensino superior. Em virtude da obrigatoriedade da apresentação da Monografia de Conclusão de Curso, houve um aumento na procura das NBRs, e, como os valores cobrados pela entidade são, de certa forma elevados se comparados com a cópia ilegal, verificou-se a violação de seus direitos autorais.
Com as constantes mudanças nas regras para a disposição gráfica dos trabalhos científicos, é pouco provável que aqueles que fazem uso constante dessas normas, saibam qual se encontra vigente sobre determinado assunto. Essa situação faz com que até mesmo os livros sobre Metodologia do Trabalho Científico – que tem por finalidade de auxiliar os leitores na elaboração de trabalhos dessa natureza, especialmente os de conclusão de curso – sejam lançados já desatualizados, em alguns aspectos. Sobre o assunto já se manifestou as professoras mary stela müller e Julce Mary Cornelsen: “No que se refere à estrutura e apresentação formal de produtos resultantes dessa atividade – trabalhos científicos – o que se tem constatado é a existência de uma diversidade de normas, formatos e/ou padrões institucionalizados ou não.”(3)
Diante da problemática que a sua utilização apresenta e a dificuldade de se saber qual a norma que se encontra vigente, tendo em vista suas constantes reedições, poderiam os cursos jurídicos e as instituições ligadas a pesquisa científica tomarem as normas da ABNT apenas como referência, para que partindo delas, se produzam novas normas que atendam efetivamente as necessidades das instituições de ensino, no que tange à apresentação de trabalhos científicos, especialmente as Monografias de Conclusão de Curso. Não há nada de inédito em tal assertiva, já que muitos programas de mestrado e doutorado no país, adotaram regulamentos próprios para apresentação das dissertações e teses, respectivamente, produzidas por seus egressos. Resta imprescindível, nesse contexto, a extensão dessa tendência também aos cursos de graduação, bem como às entidades que financiam projetos de pesquisa em Direito.
A normatização científica no Brasil não pode estar sujeita as determinações de uma entidade que tem nas NBRs uma fonte de maximização de suas receitas. Mesmo considerando a importância que essas regras representam para a pesquisa jurídica, é preciso que se crie alternativas para a utilização correta e coerente das normas de documentação científica. Não se quer com isso fazer apologia a uma possível “desnormatização” da produção científica no campo do Direito, mas esta não pode estar vinculada à normas de documentação científica que se modificam constantemente.
A investigação científica só será válida se for completa, respeitando todas as etapas de seu processo e que inclui a aplicação correta das normas científicas. Contudo, não se pode olvidar jamais que o conteúdo tratado em determinada pesquisa científica é o principal, assumindo as normas científicas, um caráter acessório e secundário, não devendo, pois, este se tornar mais importante do que aquele.
A pesquisa científica no campo do Direito nada mais é do que a busca de soluções para os problemas jurídicos vividos por uma sociedade, em determinada época.(4) Por essa razão, as normas científicas devem concorrer para a correta propagação dos conhecimentos, contribuindo, desse modo, para o estudo e evolução dos institutos jurídicos.
Reginaldo César Pinheiro
é consultor jurídico, pós-graduando em Docência do Ensino Superior, foi pesquisador Científico do Instituto de Pesquisa, Estudos e Ambiência Científica e monitor da disciplina de Metodologia do Trabalho Científico, na Universidade Paranaense.