Repetindo o que dissera em 1991, durante sua segunda visita pastoral ao Brasil, o papa João Paulo II condenou as invasões de terras. Não se referiu especificamente ao Movimento dos Sem Terra ? MST, mas foi enfático ao rejeitar a aplicação de esquemas ideológicos inspirados na luta de classe ? como a invasão de terras e a ocupação de edifícios públicos e privados ? para alcançar justiça social. O papa falou aos bispos de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, quando analisou a situação social e econômica brasileira e advertiu para o perigo de “medidas técnicas extremas”, como o rompimento unilateral dos compromissos internacionais. Um rompimento dessa natureza, observou Sua Santidade, pode ter conseqüências muito mais graves que a injustiça que pretendem resolver”.

A fala do sumo pontífice provocou reações, algumas não tão naturais nem tão elegantes quanto se deveria esperar. Alguns prelados da Igreja Católica no Brasil entenderam que ele estava se referindo aos fazendeiros e não aos invasores. Outros, diretamente empenhados nas lutas do MST, torceram o nariz e saíram dizendo que o papa está mal informado. Pode até ser, mas é pouco provável.

Como entender diversamente do que de fato disse João Paulo II, quando ele sugere a participação dos leigos católicos na construção de uma justiça e uma solidariedade autênticas? Quando ele ensina que “numa verdadeira democracia deve haver espaço legal para que, em vez de recorrer à violência, grupos de pessoas possam fazer valer processos de justa pressão para acelerar o estabelecimento da tão desejada igualdade e justiça para todos”?

Não deve ter sido à toa que João Paulo II decidiu revolver o assunto outra vez. Com efeito, esse é um problema que começa a mostrar, já antes da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sérias possibilidades de confronto. Dias atrás, líderes do MST advertiram que não haverá trégua; agora já apresentam pauta de reivindicação que, na verdade, significa um documento de intimidação: Lula terá prazo até março para começar a mostrar para o que veio, isto é, para atender imposições sonhadas pelo movimento, entre as quais estão o assentamento de 100 mil famílias acampadas, liberação de recursos para financiamento de plantio de alimentos, além de facilidades para comercialização e melhorias gerais na educação e moradia dos habitantes em áreas desapropriadas.

Nas hostes da UDR-União Democrática Ruralista as coisas também não estão paradas. A entidade que reúne fazendeiros e proprietários rurais começa uma mobilização nacional contra a proposta do núcleo agrário do PT que pretende limitar o tamanho das propriedades nos estados. “Isso é comunismo à Fidel Castro”, reagem líderes da União, sabedores de que a proposta já consta da agenda de atuação do partido do presidente eleito para o início do próximo governo. A proposta deverá ser levada ao Congresso Nacional.

Se o papa falou para fazendeiros ou sem-terras, isso pouco interessa diante da grande verdade que encerram as palavras do pontífice. A justiça dita social não se busca com a prática de atos injustos e violentos. Principalmente numa situação como a do Brasil, onde a necessidade de reforma agrária é um consenso nacional, da mesma forma que é consenso a rejeição a todas as formas de violência.

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