O pão nosso de cada dia é feito com 70% do trigo vindo de fora. O pão, as massas e outros produtos derivados desse precioso cereal. Houve tempos em que o Brasil chegou à beira da auto-suficiência, mas a área plantada foi sendo reduzida. Havia trigo fácil e a preços razoáveis na vizinha Argentina e a cana-de-açúcar e a soja aqui ocupavam cada vez mais terras. O país de Cristina Kirchner transformou-se no nosso maior fornecedor, com a vantagem da proximidade, o que torna o frete mais barato do que importar dos Estados Unidos ou do Canadá, outros dois grandes produtores mundiais.
O trigo norte-americano não só é mais caro, como o frete é muito mais oneroso. Enquanto uma partida de trigo argentino pode chegar ao seu destino, no Brasil, em moinhos geralmente instalados no sul, em cerca de uma semana, o norte-americano demora cerca de quarenta dias.
Agora estamos em papos-de-aranha. A Argentina, depois de estabelecer restrições ao fornecimento de trigo ao Brasil, suspendeu o seu fornecimento. O desastroso resultado dessa atitude unilateral o consumidor brasileiro já está sentindo nas padarias, armazéns e supermercados. Nos últimos 12 meses, até março último, o pãozinho subiu 17%. A farinha de trigo subiu 18% para o consumidor de São Paulo, segundo a Fipe. Na semana passada, a indústria já havia acenado com novos aumentos de 12% no pão e de 10% a 15% nas massas e bolachas.
Para Lawrence Pih, do moinho Pacífico, um dos principais líderes da indústria de moagem de trigo do Brasil, ?a situação está complicada?. É preciso que venha trigo da Argentina, mais barato. ?Com isso, poderíamos fazer uma melhor média de preços?, explica o industrial.
O governo brasileiro, aconselha Pih, tem de repensar o volume livre da Taxa Externa Comum (TEC), de 10%, a ser importado. O governo já liberou 1 milhão de toneladas para importação até julho. ?O bom é que o governo já está suscetível ao problema?, afirma Pih.
Christian Saigh, diretor do Sindicado da Indústria do Trigo (Sindustrigo), considera o aumento da cota sem a TEC vital para a indústria. O Brasil está nas mãos de um parceiro (a Argentina) não confiável, e o governo precisa agir, disse Saigh. ?A dependência da Argentina não é boa nem para a indústria, nem para o consumidor?, sentencia.
A Argentina tem trigo. Suas autoridades justificam a suspensão no fornecimento ao Brasil por uma necessidade de equilibrar o mercado interno, mas os líderes da indústria moageira brasileira acreditam que o país vizinho está guardando para eventual troca por energia com a Venezuela (petróleo) e a Bolívia (gás).
É interessante notar e analisar o fato de que esta crise de trigo nos atinge em meio a uma discussão mundial, na qual estamos como curinga, sobre a substituição de biomassa para produção de combustíveis por petróleo. Autoridades mundiais entendem que a substituição de plantações de alimentos para produção de biomassa, notadamente etanol de milho, está causando fome no mundo.
De tudo, algo de bom começa a acontecer. As autoridades do Ministério da Agricultura, à frente o ministro radicado no Paraná Reinhold Stephanes, já decidiram incentivar a produção de trigo nacional com instrumentos fiscais e aumento da área plantada. Passos para, se não a auto-suficiência, pelo menos para fugir à integral dependência.
O dia-a-dia da nossa economia vem demonstrando que a ambição de o Brasil caminhar pelas próprias pernas é sadia, mas está longe de ser alcançada. E o discurso antiglobalização cai no vazio quando surgem problemas como este, em que o trigo, alimento essencial para a nossa população, vem quase totalmente de fora e estamos sujeitos aos bons humores de governos como o da Argentina que também tem seus interesses, no caso, contrários aos nossos.