O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia o terceiro ano do mandato, que espera dobrar em 2006, conforme indicam as evidências de sua atuação e a idéia dominante no círculo íntimo de auxiliares como os ministros José Dirceu e Tarso Genro e entre operadores políticos do porte de José Genoino, Eduardo Suplicy, João Paulo Cunha e Marco Aurélio Garcia. Além desse time respeitável, Lula conta com irrestrito apoio do ex-presidente José Sarney, figura de maior expressão e liderança no Congresso Nacional, que está a um passo de ver a filha Roseana agraciada com um ministério.
Lula, aos poucos, vai impondo a imagem de animal político por excelência. Qualidade que não causa a menor surpresa, tendo em vista suas primeiras manifestações como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. A política desenvolvida nesse interstício da vida pública não constitui algo diferente do que se faz nos partidos, de modo que a transformação daquele movimento em partido político – que completa 25 anos – foi conseqüência lógica de uma ação destinada a dar espaço e voz aos críticos de um regime em processo de extinção.
Tanto que além dos trabalhadores da indústria, comércio, bancos e funcionalismo público, de onde veio o grosso da base de formação do PT, intelectuais, profissionais liberais, empresários e estudantes aceitaram com entusiasmo a tarefa de encorpar a proposta de atrair a parcela da sociedade sem opção preferencial em termos de voto. Em duas décadas e meia o PT chegou à presidência da República, é governo em vários estados, capitais e municípios importantes da federação.
Nesse mesmo período viu-se a derrocada de políticos ou partidos-clientes, emblematizada pela experiência descendente de Antônio Carlos Magalhães, Jader Barbalho e Paulo Maluf, homens que se jactaram de ter construído uma teia indevassável. ACM foi figura recorrente nos governos do ciclo militar e seguintes, afinal constrangido a renunciar frente à batelada de indícios de conduta irregular como presidente do Senado. Não foi diferente o destino de Jader, igualmente forçado a apear do mesmo cargo, encurralado por acusações de apropriação de recursos públicos enquanto governador do Pará.
Maluf, em poucos anos, galgou com a sanha dos que querem o poder a qualquer custo, degraus, que o levaram da nomeação a prefeito de São Paulo e governador do estado a candidato à presidência da Republica, na famosa eleição indireta ganha pelo oponente, Tancredo Neves. Pelo voto direto voltou a ser prefeito de São Paulo, elegeu sucessor um desconhecido que naufragou e, desde então, sente os efeitos escancarados duma trajetória – segundo a Justiça – caracterizada pelo trato não ortodoxo do dinheiro pertencente ao erário.
Lula gastou seus primeiros dois anos, opinam alguns, até certo ponto deslumbrado com a pompa do poder, numa azáfama de viagens mundo afora, colhendo aqui e acolá as gloríolas – nem sempre ilegítimas – inerentes ao mais alto posto da República e, nos últimos tempos, tratando de apaziguar insatisfeitos de seu próprio partido, além de ocupar-se com o desgastante exercício de acomodar interesses sempre mais exigentes dos partidos que (ainda) compõem a aliança vitoriosa em 2002.
Creio não haver discordância quanto à espinhosa tarefa de governar sob pressão por verbas e nomeações em troca de apoio, prática corriqueira em nossa escola política, seja nas sístoles ou diástoles, para lembrar expressão cunhada pelo general Golberi do Couto e Silva.
Todavia, estou entre os que pensam que Lula fez mais. Soltou rojões, bateu sua bolinha nos pastos do Riacho Fundo, apesar da bursite, discursou na ONU e fez frases nem sempre felizes, mas também trabalhou para traçar um modelo de presidência, enfim, de governo, decalque fiel de sua identificação política, de como apreendeu a própria visão de mundo cara a cara com os capitães da indústria paulista e em contato com a realidade internacional.
Se não pôde escolher auxiliares de sua preferência para formar o ministério, premido pelo interesse difuso e escassez de quadros dos partidos que lhe sustentam no Congresso, Lula tem a seu crédito o inconformismo ante os pífios resultados colhidos em várias frentes do governo. Tanto que anuncia para breve uma reforma do ministério. Reforma mais ou menos aplaudida, a partir dos nomes escalados para funções carentes de dinamismo. Espera-se, não importa a origem partidária, que assumam pessoas com a viseira assestada acima da mesquinharia, da troca de favores, do poder em benefício da paróquia.
O presidente tem dois anos para confirmar a essência de seu jeito de administrar. Os percalços estão sendo contornados, grande parte com origem no panorama global, por isso exigindo ações criteriosas, não raro identificadas como subserviência. A perspectiva de crescimento é favorável e o investimento na infra-estrutura, base para o progresso, começa a mostrar fôlego. Esse é um ano decisivo para Lula, e ele sabe muito bem.
Ivan Schmidt é jornalista.