O otimismo de Lula

Ernesto Che Guevara, o revolucionário argentino que ajudou Fidel Castro na luta contra o ditador Batista, em Cuba, derrubando-o para depois implantar o comunismo na ilha, e acabou morto em novas aventuras revolucionárias pela América Latina, dizia que era preciso ser duro, sem perder jamais a ternura.

Foi uma figura ímpar de aventureiro e revolucionário. Médico, nada entendia de economia e acabou ministro da Economia do governo fidelista de Cuba. Como o nosso Palocci. Tinha duas qualidades inegáveis: um sincero amor pela causa dos pobres, que entendia deveria ser resolvida pelo marxismo, e uma coragem inigualável.

Não tinha, como pregou Lula em sua última fala do ano no rádio, a necessária "tranqüilidade para não errar". Não era, como o presidente brasileiro, afeito à linguagem do futebol e das peladas que pratica na Granja do Torto, paciente para bem mirar o gol e chutar com tranqüilidade, sem afobamento, para não errar.

O nosso presidente, na sua prédica, disse ser "o mais otimista dos brasileiros", o que não chega a ser ótimo, embora muita gente ache que é bom. É evidente que precisamos de um chefe da nação otimista, que acredite que pode e vai acertar e que este País seguirá os melhores caminhos. Entretanto, que não o veja com lentes róseas, pois ainda há muitas manchas negras agora e no horizonte. O presidente não precisa ir muito longe do Palácio do Planalto para ver a miséria, os problemas de saúde, de educação, de transportes, de segurança e que o Fome Zero ainda tem muitos dígitos a conquistar.

É preciso que seja terno, mas duro, e mantenha o senso de realidade. E este, embora permita que sejamos menos pessimistas que no ano de 2003, menos ainda que em 2004 e até otimistas para 2005, não pode fechar os olhos para os problemas gravíssimos que ainda nos esperam. E a calma, que se recomenda ao jogador de futebol, que deve não se precipitar e chutar na direção e na hora certa, mas não pode ignorar a urgência. O desacerto aumenta os problemas. A lerdeza os eterniza e aprofunda. Já temos cinco séculos de miséria sofrida e, talvez, outros cinco para tentar combatê-la. E no caminho, em nome desse esfuziante otimismo e dessa propositada calma, vão caindo vítimas do Brasil que não é bonito. Que apresenta um quadro entristecedor de pobreza e injustiças sociais.

As conquistas que Lula citou, obtidas por seu governo ou durante ele, no ano que se finda, não são de menosprezar, embora estejam longe dos gols que queremos atingir. Falou no Estatuto do Idoso, que conquistou partilhando com o Congresso, mas que está ainda muito longe de ser uma realidade, pois não são poucos os que o infringem, inclusive governos. Lembrou o programa Universidade para Todos, uma iniciativa promissora e corajosa que, oxalá, dê certo. Lembrou o programa Saúde Bucal, do Biodiesel, das Farmácias Populares, além do Bolsa-Família, que beneficiou – segundo ele – 6,5 milhões de famílias e em 2005 deverá beneficiar 8,7 milhões. São conquistas. Nem poucas, nem pequenas, mas ainda ínfimas diante dos problemas que se propõe a resolver.

Vamos dar ao presidente Lula um desconto. Descontemos o fato de que sua intenção, ao falar ao povo pelo rádio, era dar uma injeção de otimismo e mostrar que ele próprio acredita que este País tem solução. Mas tenhamos a esperança de que Lula conserve o necessário e indispensável senso de realidade. E a realidade atual brasileira, apesar das esperanças de soluções, ainda é sombria, para não dizer negra. E o presidente precisa ter isso presente.

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